sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Graphic MSP Turma da Mônica - Laços, Vitor e Lu Cafaggi

Título: Graphic MSP Turma da Mônica - Laços
Autores: Vitor e Lu Cafaggi
Editora: Panini Comics
Edição: 1ª ed., São Paulo, 2013.


     É difícil encontrar uma criança que tenha crescido em meio letrado no Brasil e não conheça os quadrinhos da Turma da Mônica. Criação de Maurício de Sousa, as tirinhas surgiram em jornais e, com o tempo, ganharam destaque e caíram no gosto do público brasileiro. O universo de Maurício de Sousa conta, atualmente, com quinze diferentes turmas, mas Mônica ocupa lugar de destaque em nossa memória coletiva, especialmente para quem viveu a infância nas décadas de 70, 80 e 90. Além das revistinhas, os personagens ganharam bonecos, tornaram-se garotos propagandas de todo tipo de marca, estrelaram longa-metragem e tiveram como lar seu próprio parque de diversões – que foi um passeio escolar obrigatório para as crianças paulistas e existiu entre os anos de 1993 e 2010. Nos anos 00, mais especificamente em 2008, a marca passou por uma revitalização e com ela surgiu uma nova linha para as histórias de Mônica e seus amigos: a Turma da Mônica Jovem, gibis publicados em forma de mangá contando as aventuras da turminha agora adolescente. O sucesso foi imediato e novos leitores foram atraídos, mas havia certa resistência por parte dos leitores que cresceram com a turminha do bairro do Limoeiro.
     Em 2010, surgiu o projeto MSP 50 e sua continuação, MSP +50, em que diversos artistas brasileiros - desde nomes conhecidos como Laerte e Ziraldo até artistas relativamente novos no mercado - foram convidados a publicar releituras das histórias da Turma da Mônica. E, para reconquistar de uma vez por todas o leitor nostálgico dos quadrinhos de Maurício de Sousa e celebrar o sucesso das releituras, surgiu o projeto Graphic MSP. Já foram publicadas Astronauta Magnetar, de Danilo Beyruth, Terror Espaciar, de Gustavo Duarte e Laços, de Lu e Vitor Cafuggi.
     Os dois irmãos ficaram responsáveis pela história dos personagens do universo de Maurício de Sousa mais queridos pelo público e deram conta do recado. Aproveitando elementos clássicos das historinhas – o que amarra a trama de Laços é um dos planos infalíveis de Cebolinha – a HQ consegue trazer uma leitura original, mas iluminada pelo brilho da nostalgia que é sugerido pelas cores e faz parte da narrativa em si na forma das recordações dos personagens que permeiam a HQ em belíssimas ilustrações.
     Acompanhamos os personagens em uma aventura um tanto diferente: dessa vez a turma do bairro do Limoeiro se une para ajudar Cebolinha a procurar Floquinho após seu sumiço súbito. Como as primeiras tentativas provam-se vãs, a turminha, seguindo uma pista, decide procurá-lo em um bairro distante. Enfrentam a turma do bairro de lá e os perigos da noite longe de casa. As diferenças dos personagens são deixadas de lado e, em seu lugar, a narrativa celebra a sensação de família e união que existe entre as crianças.
     Visualmente, Mônica, Cascão, Magali e Cebolinha são facilmente identificáveis, mas elementos novos surgem. Nota-sel, em especial, a escolha de retratar Mônica como visivelmente mais gordinha que seus amigos. Nas histórias em quadrinho de Maurício de Sousa, o leitor sabe que ela é perseguida por conta de seu peso, mas sua aparência não difere muito de seus amigos. É interessante a escolha de trazer esse elemento para o plano visual, permitindo que os leitores mais novos possam se identificar ainda mais com a heroína que continua a criança mais forte do bairro e acaba testando sua força longe de casa também. É interessante também observar que cada um dos irmãos Cafaggi ficou responsável por diferentes partes da narrativa – Lu ilustra as memórias das crianças enquanto Vitor ilustra o momento em que a ação acontece. Os estilos dos dois são diferentes, mas se complementam harmoniosamente no todo da obra. O desfecho é feliz e o leitor deixa a releitura dos irmãos Cafaggi com a satisfação de ter revisto velhos amigos com novidades agradáveis para encantar. O cuidado físico com a edição também merece destaque, além da atenciosa inclusão de páginas que dividem com o leitor um pouco do processo de (re)criação da HQ.

Nota: ♥♥♥♥

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

The Girl Who Circumnavigated Fairyland In A Ship Of Her Own Making, Catherynne M. Valente

Título: The Girl Who Circumnavigated Fairyland In A Ship Of Her Own Making
Autora: Catherynne M. Valente
Editora: Square Fish (Macmillan)
Edição: 1ª ed, New York, 2012
Para ler mais sobre a autora conheça seu site onde estão disponíveis algumas de suas obras e trabalhos críticos.


     The Girl Who Circumnavigated Fairyland In A Ship Of Her Own Making é o primeiro de cinco livros da série Fairyland, escrita pela autora americana Catherynne M. Valente e ilustrada por Ana Juan, e também sua primeira obra voltada para o público infantil estreou em oitavo lugar na lista dos mais vendidos do New York Times. Até o presente momento, duas das sequências já foram publicadas - The Girl Who Fell Beneath Fairyland and Led the Revels There (2012) e The Girl Who Soared Over Fairyland and Cut the Moon in Two (2013) e uma prequel, chamada The Girl Who Ruled Fairyland—For a Little While foi publicada em 2011. No Brasil foi publicada uma tradução do primeiro livro sob o título A Menina Que Navegou Ao Reino Encantado Em Um Barco Que Ela Mesma Fez pela editora Leya. A autora possui uma extensa lista de obras publicadas, entre elas romances, poesias e coletâneas de contos e nelas podemos perceber a recorrência de temas retirados do universo do folclore de diversos países, temas mitológicos e forte influência de contos de fadas.
     Em The Girl Who Circumnavigated Fairyland In A Ship Of Her Own Making a prosa rebuscada e lírica de Valente dá colorido ao mundo encantado desvendado por sua heroína, a pequena September. Convidada pelo Green Wind a abandonar a realidade solitária de filha de uma mãe que trabalha fora para sustentar a casa (exercendo função de mecânica e cujo gosto por motores provará ser importante durante a narrativa) e um pai soldado e, por isso, bastante ausente, September aceita embarcar rumo ao desconhecido munida apenas do conhecimento que adquiriu por meio de suas leituras. O narrador em terceira pessoa é onisciente e dirige-se ao leitor em vários momentos, ora para ironizar as crenças de September, ora para lembrar seu leitor de que está consciente das expectativas que ele – ecoadas pela personagem principal que também identifica-se como leitora – tem a respeito das narrativas infantis fantásticas.
     September recebe das bruxas Hello, Goodbye e do Wairwulf Manythanks (uma espécie de lobisomem que só é homem durante a lua cheia) a missão de resgatar uma colher roubada pela maligna Marquesa de Fairyland. Como September sabe que toda protagonista de uma história que se preze deve ter uma missão, aceita. Em suas andanças pelo reino faz amizade com criaturas como o Wyvern (uma criatura parecida com um dragão, mas dócil) A-through-L, com Saturday, um Marid que September resgata das garras da Marquesa e uma lâmpada chamada Gleam. Em sua primeira missão September acaba por receber outra e por decidir enfim tentar cumprir uma que impõe a si mesma e é tão clássica quanto poderia ter desejado: derrubar uma governante maldosa.
     É notável a influência de clássicos da Literatura Infantil na obra. Histórias como as de Alice no País das Maravilhas, O mágico de Oz e As Crônicas de Nárnia exercem forte influência e são, por vezes, homenageadas em Fairyland. O reino encantada de September se apresenta como o lugar onde todas essas narrativas se passaram, a terra para onde vão as crianças que escapam brevemente de nosso mundo. A edição do selo Square Fish conta com uma entrevista com a autora em que ela revela ser sua intenção com Fairyland trazer uma protagonista que toma para si mesma a magia, ao invés de voltar para a casa no final de sua aventura. Por meio de uma releitura menos sombria do mito de Perséfone, Valente faz questão de mostrar que o mundo de Fairyland torna-se parte inexpugnável da vida de September.
     Catherynne M. Valente coloca toda a força de sua narrativa sobre os ombros da pequena, mas forte September. A protagonista precisa sobreviver grandes perigos, derrotar inimigos poderosos e demonstrar seu valor para sobreviver ao mundo das fadas – que por mais fascinantes que sejam, não são confiáveis. Despede-se de sua própria sombra, do conforto, de seus longos cabelos negros e, por fim, da possibilidade de abandonar os desafios mortais de Fairyland e voltar para casa em seus esforços para salvar seus amigos e as criaturas mágicas que conhece. September recebe ajuda, mas jamais é resgatada. E é usando seus próprios punhos que consegue, enfim, ver todos que lhe são caros em segurança.
     A capa da edição americana de Fairyland conta com uma citação de Neil Gaiman que resume perfeitamente o exercício realizado por Valente com a obra: a busca de um “glorioso equilíbrio entre modernidade e o conto de fada vitoriano, alcançado com sentimento e sabedoria”. A autora doma a força do conto de fada com o vigor de sua prosa e seu olhar crítico que escolhe, sabiamente, onde deixar sua própria marca no curso do rio das narrativas míticas – sempre iguais, mas sempre diferentes. September é uma protagonista memorável em suas qualidades e suas falhas; hesita, mas mantêm-se leal; apaixona-se por seu novo mundo só para perceber que ama o antigo. Temas como a relação com os pais, com o próprio corpo, a nudez, a vaidade e o desejo de descobrir seu potencial e viver uma vida que ultrapasse a banalidade tornam a personagem humana e fazem com que ela ecoe com os leitores mais novos... e com os mais velhos também.

Nota: ♥♥♥♥


terça-feira, 10 de setembro de 2013

Risíveis amores, Milan Kundera

Título: Risíveis Amores
Autor: Milan Kundera
Tradução: Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca
Editora: Companhia de Bolso
Edição: 1ª ed., São Paulo, 2012.

     Risíveis Amores é uma coletânea de contos escritos pelo autor tcheco Milan Kundera entre os anos de 1959 e 1968 e publicados juntos pela primeira vez no ano de 1969. O título indica o principal tema das narrativas: o amor e o que ele tem de ridículo em sua pretensão de ser sério.
     Nos contos podemos perceber vários temas que são caros para o autor e aparecem também em seus romances: a gratuidade da vida e o ridículo como resultado dela, as relações entre o corpo e a mente, entre a memória e o esquecimento, o sério e o cômico, o peso e a leveza, o desejo sexual que traduz desejo pela vida e pela juventude e a questão da identidade que marcam toda sua reflexão filosófica - característica marcante de suas obras que apresentam na mesma medida humor negro e uma prosa rica.
      Esses temas permeiam todas as narrativas que são apresentadas para o leitor em sete contos: “Ninguém vai rir” mostra as consequências da obstinação do narrador-personagem em não escrever um parecer acadêmico – uma negação simples que vai ganhando desdobramentos cada vez mais absurdos; “O pomo de ouro do eterno desejo” conta também com um narrador em primeira pessoa, porém que se coloca como observador e narra as quase aventuras de seu amigo mulherengo, porém fiel; “O jogo da carona” é o primeiro conto em terceira pessoa do livro e narra a viagem de dois namorados que, a princípio brincando, decidem fingir serem desconhecidos e acabam percebendo o que existe de desconhecido no outro.
      “O Simpósio” é o conto que ocupa posição central na obra e também o maior em extensão. Divide-se em atos e há uma presença maior de diálogos em que as personagens, médicos em um congresso, discutem sobre o amor. É introduzido o personagem de Dr. Havel, psicólogo especializado em sexualidade e casado com uma jovem atriz e que reaparece em outro conto do livro. Nesse conto, reflete sobre a impossibilidade de ser Don Juan em um mundo onde tudo é possível... a figura de Don Juan acaba por se tornar risível, parecendo mais Don Quixote.
     Segue então outro bloco de contos: “Que os velhos mortos cedam lugar aos novos mortos” narra na terceira pessoa o reencontro de um casal que se envolveu brevemente no passado quando a mulher viaja para verificar a situação do túmulo de seu falecido marido; “O Dr. Havel vinte anos depois” mostra-nos o personagem rumo a um tratamento de saúde em termas isoladas e encarando o peso que a idade traz para sua exploração da sexualidade. A presença breve de sua jovem e famosa esposa, no entanto, muda o cenário. “Eduardo e Deus”, por fim, narra a chegada de Eduardo à pequena cidade onde trabalhará como professor e seu envolvimento com a jovem e devota Alice que encara o sexo como pecado. Em seu afã para seduzi-la, Eduardo decide fingir acreditar em Deus. Isso, no entanto, o prejudica em seu serviço e o coloca à mercê da velha e feia diretora da escola. Aqui temos a introdução do narrador em terceira pessoa que faz digressões filosóficas e dirige o olhar do leitor de forma incisiva para as palavras que formam o personagem que consagraram o estilo do autor.
     As narrativas funcionam todas independentemente, mas também podem ser interligadas pela recorrência de personagens e de motivos. A prosa do autor é marcada pela leveza e ironia alcançada por meio de uma relativização do tema que trabalha para revelar a vida como arbitrária e, por isso, mostra como inútil a presunção de levá-la com seriedade. Sobre a obra, Milan Kundera afirma ser o registro de quando encontrou sua voz, sua identidade e os temas que ecoariam no todo de sua obra e, realmente, não há nenhum resquício de insegurança nas bem polidas e bem realizadas narrativas que o autor apresenta – um ótimo livro para introduzir ao leitor o universo de Kundera. 

Nota: ♥♥♥♥♥