domingo, 26 de janeiro de 2014

Um útero é do tamanho de um punho, Angélica Freitas

Título: Um útero é do tamanho de um punho
Autora: Angélica Freitas
Editora: Cosac Naify
Edição: 2ª edição, São Paulo, 2013.

     “Não queria fazer uma leitura/ equivocada/ mas todas as leituras de poesia/ são equivocadas” afirma um dos poemas que figuram lá pela metade em Um útero é do tamanho de um punho. Diante dessa impossibilidade, porém, fica subentendido que as leituras serão feitas mesmo assim, inevitavelmente equivocadas e que o leitor também fará a sua. E ele faz, respondendo ao interessante livro de Angélica Freitas, cujo título é tão instigante quanto seus poemas. Seu tema principal é a condição feminina no mundo, marcada fortemente por um mundo atual em que os avanços tecnológicos são muito mais rápidos do que os avanços sociais.
            É interessante que determinar a condição feminina como eixo central de um livro seja visto, por vezes, como diminuir o alcance de uma obra e, de vez em quando, incomode alguns leitores. É interessante que o olhar masculino seja entendido como o “universal” e o feminino como um “segundo” olhar. Numericamente falando, o olhar feminino é, oras, mais universal, uma vez que existem mais mulheres no mundo do que homens. Um útero é do tamanho de um punho toca os grandes temas por meio de seu olhar feminino e não apesar dele. 

            O livro divide-se em sete partes (“Uma mulher limpa”, “Uma mulher de”, “A mulher é uma construção”, “Um útero é do tamanho de um punho”, “3 poemas com o auxílio do Google”, “Argentina” e “O livro rosa do coração dos trouxas”), cada uma delas trazendo variações que desenvolvem um tema predominante indicado pelo título. A linguagem coloquial de ritmo rápido e em versos livres funciona bem, especialmente com o humor da autora – o tipo de humor que desperta o riso para logo em seguida fazer seu leitor questioná-lo.
            Em “3 poemas com o auxílio do Google” a poeta brinca com resultados para pesquisas da ferramenta de busca que completam três frases – “a mulher vai”, “a mulher pensa” e “a mulher quer” – parece justificar a existência do livro de forma irrefutável ao mostrar o senso comum que é temperado pela ironia do contexto em que a autora o insere.
            O que faz com que os poemas de Um útero é do tamanho de um punho sejam, então, causadores de um desconforto que faz seu leitor – e aqui retomamos a ideia da leitura equivocada – culpar o escopo feminino da obra é, na verdade, seu olhar cru que captura a experiência humana, a civilização, em seu ridículo que é vivido todo dia durante tarefas tão inócuas quanto uma pesquisa na internet. 
           É a harmonia entre esse olhar e a linguagem igualmente crua que faz com que a poesia de Angélica Freitas funcione tão bem. Rápida e mordaz, hipnotiza por sua velocidade e pela segurança com que a voz poética é conduzida, demonstrando o fôlego admirável de sua autora. 

Nota: ♥♥♥♥♥

domingo, 19 de janeiro de 2014

Zeus Grants Stupid Wishes: A No-bullshit Guide to World Mythology, Cory O’Brien

Título: Zeus Grants Stupid Wishes: A No-Bullshit Guide to World Mythology
Autor: Cory O'Brien
Ilustrações:Sarah E. Melville
Editora: Perigee Book (Penguin)
Edição: New York, 2013.

            Cory O’Brien conseguiu o reconhecimento que permitiu a publicação de seu primeiro livro, Zeus Grants Stupid Wishes: A No-Bullshit Guide to World Mythology graças à popularidade de seu blog, Better Myths. Impulsionado pela paixão por mitologia, O’Brien afirma ser fortemente influenciado pelo trabalho de Joseph Campbell e compartilhar da crença de que os mitos são formas encontradas pelos seres humanos para lidar com suas ansiedades  mais profundas e, por isso, atemporais. Vivemos em uma era em que, segundo o autor, mitos são analisados minuciosamente, porém precisamos também lembrar a importância de recontá-los.
            Apesar de recontagens de mitos certamente não serem raridades que o escritor gostaria de fazer-nos acreditar, O’Brien consegue que as suas tenham um diferencial por meio da irreverência. Em uma linguagem informal, recheada de palavrões e gírias e fortemente influenciada pela visão atual do mundo, o autor apresenta mitos de diversas culturas em versões curtas e que servem de introdução ao universo da mitologia para quem pouco o conhece.
            São fontes de inspiração a mitologia grega, nórdica, egípcia, maia, judeu-cristã, hindu, japonesa, africana – que conta com uma introdução em que é explicado que a cultura africana é plural e ali estão apenas algumas histórias selecionadas pelo autor – chinesa, sumeriana, nativo-americana (da América do Norte) e, talvez a adição mais desnecessária, a estadunidense.
            Todas as culturas são introduzidas por meio de seus mitos de criação e é interessante perceber as semelhanças entre eles, ressaltadas pontualmente pelo autor. Porém é bastante questionável, especialmente para o leitor estrangeiro, a presença de mitos estadunidenses que acabam parecendo uma adição despropositada em relação ao todo da obra – especialmente quando consideramos que esse espaço poderia ter sido facilmente ocupado por alguma mitologia esquecida pelo autor, como a celta. Da mesma forma, o autor parece procurar poupar a mitologia judaico-cristã de suas tiradas mais ácidas. A leitura “polêmica” dos mitos parece mirar o gosto da plateia ocidental  de seu autor mais do que deveria.
            No geral, as piadas de O’Brien focam as discrepâncias  entre o mundo antigo e o mundo moderno e o “absurdo” que existe sustentando essas narrativas para criar o humor. Apesar disso, existe algum teor informativo no texto e o autor consegue equilíbrio ao trazer junto ao cômico conteúdo o suficiente para que seus textos funcionem como uma pequena introdução ao universo dessas mitologias.
            Sobressaem-se os capítulos sobre a mitologia grega e nórdica por ser clara a maior desenvoltura do autor ao lidar com essas narrativas. Zeus grants stupid wishes mostra-se como uma opção interessante para expandir a percepção de leitores e chamar a atenção, principalmente, do público jovem. É uma leitura leve e que consegue arrancar risadas, porém que se limita já na sua proposta a certa superficialidade que não é tão obrigatória quanto seu autor parece acreditar.

Nota: ♥♥