tag:blogger.com,1999:blog-1415505514434660332024-03-14T03:00:03.540-03:00the art of keeping booksGabshttp://www.blogger.com/profile/06756939366189003713noreply@blogger.comBlogger50125tag:blogger.com,1999:blog-141550551443466033.post-79548552338500867462017-04-18T19:49:00.000-03:002017-04-19T18:16:32.577-03:00Anna Kariênina, Liev Tolstói<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://2.bp.blogspot.com/-3rZWmJ3mkNY/WPZ38Lh3uqI/AAAAAAAAWGk/Qk2c5djntYAdtWcAyQqNNoWPgj2qOcy2wCLcB/s1600/CYMERA_20170418_171639.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://2.bp.blogspot.com/-3rZWmJ3mkNY/WPZ38Lh3uqI/AAAAAAAAWGk/Qk2c5djntYAdtWcAyQqNNoWPgj2qOcy2wCLcB/s400/CYMERA_20170418_171639.jpg" width="225" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
Autor: Liev Tolstói</div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Tradutor: Rubens Figueiredo<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Edição: São Paulo: Cosac Naify, 2013.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Anna
Kariênina é um clássico da literatura russa desses que a maioria dos leitores
assíduos pelo menos já ouviu falar, seja pelo seu famoso uso de <i>foreshadowing</i> ou pela igualmente famosa
frase que abre o romance. A obra, sucessora de <i>Guerra e Paz</i>, foi publicada pela primeira vez como folhetim, entre
1873 e 1877, porém só recebeu o desfecho planejado por Tolstói no ano seguinte,
1878 e conta com oito partes acompanhando, paralelamente, momentos decisivos da
vida da personagem que lhe dá o título e de Liévin.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Para
tanto, o romance emprega um narrador onisciente e opera em cima da oposição
entre seus dois protagonistas e dos personagens em seus círculos sociais, o que
faz com que a diferença do foco narrativo reflita em ritmos e conflitos
distintos conforme Anna vai traçando seu destino em direção oposta ao de
Liévin. Como os dois personagens gravitam na órbita da mesma roda de alta
sociedade, isso faz com que o leitor antecipe o encontro dos dois – momento a
partir do qual aceleram seus passos rumo ao seu desfecho inescapável.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Não
há como negar que a figura de Anna é quem, de fato, segura a obra. De beleza extraordinária
e criação um tanto resguardada, Anna é casada com Alexei Karenin, um homem bem
mais velho cuja vida é dedicada ao serviço público. Com ele tem um filho,
Serioja. Se, nos primeiros capítulos, somos apresentados a uma mulher púdica e
religiosa, capaz de salvar o casamento levianamente comprometido de seu irmão,
o fútil Óblonski, a ida a um baile na cidade e o encontro com conde Vrónski
lançam-na em um intenso conflito interno, destruindo suas certezas e
impondo-lhe urgência até então desconhecida. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O
que faz de Anna uma personagem fascinante é o tratamento realista que recebe e
faz dela personagem complexa. Conseguimos simpatizar com seu desejo de fuga e de
experimentar a vida em sua totalidade, sua dor pelas imposições que sofre e a
sutil tomada de consciência a respeito de si mesma, talvez seu aspecto mais
fascinante. Anna percebe-se não só bela, mas inteligente, capaz de manter
conversação e apaixonante. Nada disso era procurado nela por Karenin, que
desejava somente uma esposa modesta que exercesse seu papel discretamente. Se essa
tomada de consciência torna o casamento uma situação infernal, não serve no
entanto de consolo em seu relacionamento com Vrónski. A culpa cristã que
Tolstói imbui em sua heroína jamais a abandona totalmente e seu medo de se ver desamparada, sem uma figura masculina que por ela assuma responsabilidade
resulta em um comportamento destrutivo e um final trágico. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
É
interessante como Tolstói constrói uma personagem que exemplifica o processo de
destruição interna da mulher em uma sociedade que não lhe permite usar seus
dons ou agir livremente sem em nenhum momento imaginar que é nessa tremenda pressão
que está o problema. O autor ainda apresenta-nos o avesso de Anna na esposa de
Liévin, personagem estranhamente deprimente: Kitty é uma jovem limitada em sua
beleza e em sua capacidade intelectual, também mantida ao alcance mas nunca
próxima de verdade de seu marido. Ao contrário de Anna, dedica-se totalmente à
vida em sua faceta mais prática e aos fazeres tradicionalmente femininos, em
especial cuidar e velar os outros. Ela é o modelo de esposa cujo desfecho
parece indicar o comportamento mais saudável, mas isso acontece às custas de
sua complexidade enquanto pessoa ser reduzida à sua habilidade de cuidar e
doar-se. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Liévin,
nosso outro protagonista, é amigo muito próximo de Oblónski, apesar de ter personalidade totalmente diferente da dele.
Proprietário de terras, dedica-se ao serviço do campo, cuidando de sua herança
e de seus irmãos. Introspectivo e dado a longas reflexões, mas pouco eloquente,
é marcado por um desejo de imprimir alguma ordem ao mundo e às relações
sociais. Não se sente confortável na alta sociedade, apesar de ser aceito nela.
Possui uma relação intensa com seus dois irmãos: um é escritor famoso e o outro
perde-se na bebida e ambos são queridos por ele.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O
que aproxima nossos dois protagonistas é um desejo de escapar ao artifício, ao
fingimento socialmente imposto. Ambos querem, de alguma forma, alcançar uma
forma de vida mais autêntica e livre. Anna acredita que ignorando as regras
sociais e vivendo um amor intenso, conseguirá livrar-se do papel ao qual foi
condenada por nascimento, sem perceber que começa a exercer um novo no
imaginário da sociedade e do leitor: o da escandalosa mulher adúltera. Liévin
acredita também na redenção pelo amor, mas o faz como manda o figurino e
encontra na constituição de família e, mais tarde, na religião, um conforto que
não elimina todas suas dúvidas, mas lhe parece o único compromisso possível. Se
a prosa que acompanha Anna é um crescendo de tensão, encerrado por um fim
trágico, a que acompanha Liévin mantém ritmo oposto culminando em um desfecho
anticlimático.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O
universo de <i>Anna Kariênina </i>é
ricamente povoado por diversos outros personagens que nos apresentam reflexões
acerca da vida em sociedade, em geral repudiada por sua superficialidade. Há
extensas reflexões sobre a identidade russa, em especial no que tange a questão
da terra e da relação com os servos (uma das obsessões que Liévin e Tolstói
parecem compartilhar) que, se arrastam um pouco a narrativa, apresentam um
panorama interessante de um país cuja posição geográfica e a cultura dão-lhe
uma posição interessante em relação ao Ocidente. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<span style="text-align: justify;"> </span><span style="text-align: justify;">A
prosa de Tolstói, assim como sua mensagem, foge de artifícios exagerados. O
autor investe em um uso eficiente do foco narrativo e do diálogo na construção
de personagens marcantes que pintam uma imagem clara da análise feita pelo
autor da sociedade russa. Sua preocupação moral não ignora a complexidade da
situação, mas as encara como imutáveis e por isso mesmo acaba pecando por ser
um tanto forçada e envelhecendo mal – o que é sentido principalmente no último
capítulo do livro, em que a narrativa, ao perder o impulso do conflito que a
conduziu, afrouxa demais e termina em uma reflexão anticlimática que falha em
dialogar de fato com as questões apresentadas ao longo da obra.</span><br />
<span style="text-align: justify;"><br /></span>
<span style="text-align: justify;">Nota: ❤❤❤❤</span>Gabshttp://www.blogger.com/profile/06756939366189003713noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-141550551443466033.post-71555685085065664842017-03-15T18:07:00.000-03:002017-03-15T18:11:35.900-03:00O verão sem homens, Siri Hustvedt<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://3.bp.blogspot.com/-9jHDEEr3ts8/WMmqUFhJimI/AAAAAAAATyk/U68LSML5KCg0MJt7Aur-tTlWkkb6cb6DwCLcB/s1600/CYMERA_20170315_173135.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://3.bp.blogspot.com/-9jHDEEr3ts8/WMmqUFhJimI/AAAAAAAATyk/U68LSML5KCg0MJt7Aur-tTlWkkb6cb6DwCLcB/s400/CYMERA_20170315_173135.jpg" width="225" /></a></div>
Autor: Siri Hustvedt<br />
Tradução: Alexandre Barbosa de Souza<br />
Edição: São Paulo: Companhia das Letras, 2013.<br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>A norte-americana Siri Hustvedt é ficcionista e ensaísta contemporânea e tem encontrado público cativo para seus romances, que são focados na questão da experiência feminina na sociedade como brecha para a reflexão acerca dos relacionamentos humanos e sua complexidade. </div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>A narradora de O verão sem homens, Mia, tem plena consciência da banalidade de seu drama. Doutora em filosofia e poeta publicada com modesta, mas respeitável recepção, ela enfrenta o possível fim de seu casamento de trinta anos com Bóris, neurocientista. Após descobrir ter sido traída, Mia surta e é hospitalizada – para sua própria vergonha, uma vez que a marca definidora desta personagem é sua lucidez – e precisa reconstruir a si mesma. </div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Para isso, busca o refúgio mais óbvio possível: a proximidade com sua mãe, agora uma viúva que mora sozinha. Abandona Nova Iorque por uma cidadezinha qualquer em Minessota pelo verão, toma para si a missão de ministrar uma oficina de poesia para jovens adolescentes e arranja uma casa próxima da residência em que cresceu.</div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Siri Hustvedt cria um universo bastante interessante, embora o excesso de novos personagens em tão poucas páginas confunda um pouco o leitor no começo. Mia toma parte do clube de leitoras de sua mãe, onde conhece talvez a personagem mais interessante do livro, a alta e imponente Abigail, que por trás da faixada de professora aposentada de artes revela suas obras secretas: com o uso de vários materias, fazia bordados que escondiam bordados. Se a primeira camada era feita de cenas pacatas, a segunda continha cenas entre o nonsense e o erótico. Essas obras, seus “alumbramentos”, mantiveram-se segredo assim como os pormenores de sua vida sentimental. Sua ligação imediata com Mia, alguém sem tantos preconceitos e também uma apreciadora ávida de arte, é escrita de forma bastante sentimental e deixa clara a mensagem de que há um mundo particular por trás de cada mulher banal vivendo um drama banal. </div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Outras relações significativas travadas são com o grupo de jovens estudantes, que logo fazem com que Mia reflita sobre sua própria adolescência, marcada por uma sensação de inadequação. Ao invés de simplesmente empatizar com Alice, a menina ostracizada, Mia reflete de verdade sobre a experiência daquelas meninas sem cair nos clichês. Há também Lola, a vizinha que casou-se cedo e enfrenta a batalha de criar seus dois filhos com um marido irritadiço e logo torna-se sua amiga. <span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Muita coisa acontece em O verão sem homens e, apesar do enredo principal – o drama entre Mia e Bóris – permancer em sua posição central, mantendo o resto em ordem, há a sensação de que o romance não dá conta de tudo que propõem, explorando mal o universo colorido que apresenta. Incomoda, principalmente, quando questões que são apresentadas como centrais no começo são abandonadas ao longo da narrativa para que o desfecho aconteça.</div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O romance conta também com alguns poemas e ilustrações de Mia. Os primeiros dialogam diretamente com as situações abordadas enquanto os segundos relacionam-se mais frouxamente com os acontecimentos. O objetivo de fazer deste um caderno de anotações de Mia em seu período de recuperação não é alcançado plenamente, no entanto, e em alguns momentos o leitor esquece-se mesmo deste recurso formal que acaba sendo um detalhe.</div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>A tradução encontra obstáculos em certas expressões idiomáticas rapidamente reconhecidas por quem conhece o idioma original, em parte devido à dicção bastante atual do romance. Apesar disso, a leitura de O verão sem homens é fluída e bem-humorada, com sensibilidade acertada que compensa suas falhas e torna-o um chick lit com mais substância que a média. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Nota: ♥♥♥</div>
<div>
<br /></div>
Gabshttp://www.blogger.com/profile/06756939366189003713noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-141550551443466033.post-76971529405249352972017-03-07T17:57:00.002-03:002017-03-07T18:02:30.087-03:00A montanha mágica, Thomas Mann<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://3.bp.blogspot.com/-SH4WKtnP32M/WL8dsK0xAoI/AAAAAAAATMs/uFAX0gIrdQU1L03ZJXAvjQeJf5w_LJ8TACLcB/s1600/CYMERA_20170307_174719.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://3.bp.blogspot.com/-SH4WKtnP32M/WL8dsK0xAoI/AAAAAAAATMs/uFAX0gIrdQU1L03ZJXAvjQeJf5w_LJ8TACLcB/s400/CYMERA_20170307_174719.jpg" width="225" /></a></div>
Autor: Thomas Mann<br />
Tradutor: Herbet Caro<br />
Revisão da Tradução e Posfácio: Paulo Astor Soethe<br />
Edição: São Paulo: Companhia das Letras, 2016.<br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Clássico fundamental tanto da literatura alemã como da literatura ocidental como um todo e exemplo perfeito de bildungsroman (romance de formação), A montanha mágica foi publicado em aguardada nova edição pela Companhia das Letras em 2016. O livro recebeu os cuidados merecidos, optando por manter a elogiada tradução do falecido tradutor Herbert Caro, mas recebeu uma revisão para atualizá-la e posfácio novo além, é claro, de novo projeto gráfico. Publicada pela primeira vez em 1924, a obra lança interessante luz sobre a sociedade europeia e seus conflitos ideológicos que culminaram na Primeira Guerra Mundial, ao mesmo tempo que oferece enriquecedor panorama para quem quer entender melhor o que constitui a identidade do continente até hoje. Sua fortuna crítica é extensa e de alta qualidade, inclusive entre teóricos brasileiros, uma vez que há uma curiosa ligação biográfica do autor com nosso país – sua mãe nasceu e viveu seus primeiros anos entre Angra dos Reis e Paraty, antes de ser enviada para Alemanha – a acrescentar ao caráter monumental da obra que extende-se, nesta edição, por 827 páginas e rendem infinitas análises. </div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Uma questão, no entanto, parece ser consenso: A montanha mágica lida com a questão do tempo como fonte de desconcertante ambivalência à qual estamos sujeitos pela condição humana. </div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Hans Castorp, nosso protagonista, é jovem engenheiro de origem nobre e modos burgueses. Orfão de pais, conhece a morte desde muito cedo e é criado pela família estendida, cuja figura do tio-avô desperta o tipo de respeito que somos incentivados a sentir pelas figuras patriarcais austéras. Castorp, como a própria narrativa coloca, é um sujeito comum, talvez até medíocre. Resolve visitar seu primo, Joachim, no sanatório para tuberculosos e aproveitar pare revigorar-se de uma persistente anemia. Seu plano inicial é passar apenas três semanas e partir para sua primeira experiência de campo como engenheiro naval, mas eles caem por terra quando a pequena anemia que pretendia tratar concomitantemente à visita ao primo evolui para um quadro pior – embora nunca diagnosticado efetivamente. </div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O tempo no sanatório de Berghorf corre de forma diferente. Uma rotina rígida é respeitada pelos pacientes, que são alimentados com fartas refeições, fazem caminhadas diárias, registram a própria temperatura periodicamente e repousam ao céu aberto. Não há nada a fazer a não ser ocupar-se da própria saúde obsessivamente. A sociedade de Berghorf, por seu isolamento físico, acaba distanciando-se dos problemas da planície e de suas regras, além de ser constituída por elementos de diversos lugares. Berghorf é microcosmo da Europa, representada pelas mesas da sala de jantar: ingleses, alemães, os russos nobres e os russos ordinários e a peculiar figura de Ludovico Settembrini, intelectual italiano humanista que toma para si a função pedagógica de censurar os devaneios de Hans Castorp. Também ocorrem palestras para os enfermos e várias delas ocupam-se do perigo que o estímulo amoroso representa para quem sofre da tuberculose. </div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Se Settembrini sutilmente vai moldando o modo de pensar do nosso herói que não é herói, é a presença de Clawdia Chauchaut, cuja presença desperta nele memórias de um colega de escola por quem Castorp nutriu sua primeira paixão (um interessante momento homoerótico na narrativa que salta aos olhos do leitor moderno). Ele nutre uma paixão por Clawdia mesmo ciente da diferença de classe entre eles e que acaba arrastando-o ainda mais para dentro do universo das relações do sanatório, esse mundo estranhamente autossuficiente dos enfermos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O universo de Berghorf está longe de ser um lugar de recato, apesar de assim se apresentar ao olho mal-treinado dos visitantes graças aos esforços dos funcionários. Na verdade, os que ali residem mantém intensa sociedade entre si, estabelecendo amizades e laços amorosos que ignoram as dinâmicas da planície. A morte, que deveria rondar essas personagens, é tratada como assunto proibido: o médico incentiva seus pacientes a morrer sem escândalos, discretamente são removidos os corpos e logo os quartos são desinfetados para receber o próximo paciente – e sangue novo é sempre motivo de agitação para os pacientes confinados. A atividade profissional de Castorp é deixada de lado assim como o livro que ele traz sobre o assunto, e lá ele aprende a dedicar-se ao que chama de “reinar”: longas reflexões filosóficas em que começa a ponderar mais profundamente a existência. O personagem de Settembrini é crucial nesse novo hábito e exerce sua influência ao mesmo tempo em que revela na mesma intensidade a beleza e também as limitações do pensamento humanista europeu.</div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span> Thomas Mann explora brilhantemente as contradições entre o desejo pela democracia e o impulso imperialista bélico e o desdém por culturas diferentes que ainda se fazem muito presentes no velho continente, que fermentaram e fermentam ainda hoje os principais conflitos na região. Mais tarde, somos apresentados também a outra figura intelectual contraditória, o conservador Naphta. Ele abandona suas raízes judaicas para frequentar o seminário e tornar-se jesuíta; a perseguição ao povo judeu torna-o órfão de maneira brutal e influenciam bastante sua personalidade. Figura pessimista, Naphta entende o mundo pela via teológica que lhe permitiu superar a miséria e faz pouco da ciência, que entende como apenas mais uma crença. Suas opiniões são cínicas e sua figura desagradável, mas é por meio dele que vemos alguns dos diagnósticos mais acertados dos longos debates que A montanha mágica traz. Também pretende extender sua influência pedagógica sobre Hans Castorp em um conflito que, representando as forças opostas que tomam a Europa, recebe um desfecho trágico.</div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span> A prosa de Thomas Mann é densa e seu feito mais impressionante está em, de fato, manipular a sensação da passagem do tempo. Assim como o primeiro dia no sanatório transcorre de forma mais impactante para Castorp, toma mais páginas do livro. A prosa acelera e é pontuada por diálogos curtos quando o protagonista encontra-se com a Sra Chauchaut, em especial no único encontro romântico entre os dois que brilhantemente acontece em ritmo totalmente diferente. Apesar disso, Mann domina a ironia e arranca mesmo sorrisos de seus leitores ao demonstrar o que há de patético no grupo alienado que povoa a Montanha e em quanto se levam a sério. O narrador é onisciente, usa ocasionalmente a primeira pessoa do plural e dedica-se abertamente à Hans Castorp, julgando-o duramente e com isso, estranhamente, tornando-o mais simpático ao leitor.</div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span> A eventual e inevitável descida à planície mal é sentida para quem lê, assim como para o personagem acontece em um estado de transe. A montanha mágica evoca a ideia de que tempo e espaço são indivisíveis em seu favor: neste lugar, os personagens não precisam cumprir seus papéis sociais e até mesmo as normas de comportamento são afrouxadas. Lá, podemos acompanhar as reinações de Castorp, mas também a apatia que a intensa atividade intelectual como fim em si mesma (ao contrário de Settembrini, por exemplo, que possui um ideal pelo qual luta dentro de seus meios) desperta na juventude. Essa juventude egoísta, doente e pouco interessada na vida prática subitamente é lançada, em estado de torpor, no campo de batalha. O simples contraste evoca a crueldade da Guerra mais efetivamente do que a descrição minuciosa de seus horrores poderia conseguir. </div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>A subida para a montanha mágica é íngreme. O próprio autor recomendava aos excursionistas pelo menos duas leituras para que se consiga dar conta do denso conteúdo. A primeira viagem, por mais desafiadora que seja, já consegue ser recompensadora ao seu modo e o desfecho dessa obra - que pode espantar o leitor por sua erudição - demonstra claramente que seu autor domina o gênero de maneira fascinante para quem quer entender melhor o romance e, por consequência, uma vez que o gênero está profundamente ligado com o nacionalismo e o estado burguês europeu, o espírito do continente como um todo. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Nota: ♥♥♥♥♥</div>
<br />
<br />Gabshttp://www.blogger.com/profile/06756939366189003713noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-141550551443466033.post-28874994655402159032017-02-15T16:00:00.000-02:002017-02-15T16:00:28.578-02:00Recomendação - Curta<div style="text-align: justify;">
A Mary, amiga de longa data que vocês podem encontrar falando sobre cinema <a href="http://www.cinemaqui.com.br/" target="_blank">aqui</a>, escreveu e dirigiu seu primeiro curta, chamado <i>Teodora</i>. Disponibilizo aqui para que vocês possam assisti-lo e aproveito para parabenizá-la pelo excelente trabalho!</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<iframe width="320" height="266" class="YOUTUBE-iframe-video" data-thumbnail-src="https://i.ytimg.com/vi/iOqfmod4iWA/0.jpg" src="https://www.youtube.com/embed/iOqfmod4iWA?feature=player_embedded" frameborder="0" allowfullscreen></iframe></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
Gabshttp://www.blogger.com/profile/06756939366189003713noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-141550551443466033.post-86246225485982357092017-02-13T15:28:00.000-02:002017-02-13T15:59:24.579-02:00Fascismo Eterno, Umberto Eco [tradução] [proibida a reprodução] <div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Este texto faz parte de um projeto pessoal que pretendo disponibilizar aqui ao longo deste ano. A ideia é, essencialmente, escolher um texto que tenha sido publicado recentemente em veículos que discutem Literatura como o New York Review of Books e o Paris Review e postar suas traduções. Espero conseguir manter certa periodicidade. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<a href="http://www.nybooks.com/articles/1995/06/22/ur-fascism/" target="_blank">Texto</a> publicado no <i>The
New York Review of Books</i>, originalmente publicado em 22 de junho de 1995.
Tradução sem fins lucrativos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
</div>
<a name='more'></a><br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
/*inicio do css do leia mais*/
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}
/*fim do css do leia mais*/
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Em 1942, com dez anos de idade, eu recebi o Primeio Prêmio Provincial de Jovens Ludi (uma competição “voluntária” compulsória para os jovens italianos fascistas – ou seja, para todos os jovens italianos). Eu usei minha habilidade retórica para elaborar sobre o tema “Devemos morrer pela glória de Mussolini e pelo destino imortal da Itália?”. Minha resposta foi sim. Eu era um menino inteligente.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Eu passei dois dos meus anos de juventude entre SS (a tropa de proteção), Fascistas, Republicanos e partidários da Resistência atirando uns nos outros e aprendi como desviar de balas. É um bom exercício.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Em Abril de 1945, os partidários da Resistência tomaram Milão. Dois dias depois, eles chegaram à pequena cidade em que eu vivia na época. Foi um momento de alegria. A praça principal estava repleta de pessoas cantando e balançando bandeiras, clamando em gritos por Mimo, o líder daquela região. Ex-maresciallo do Carabinieri, Mimo juntou-se aos seguidores de General Badoglio, sucessor de Mussolini, e perdeu uma perna durante um dos primeiros confrontos com as forças armadas que restavam do General. Mimo apareceu no balcão da prefeitura pálido, apoiado em sua muleta e tentando acalmar a multidão com uma mão. Eu esperava por seu discurso porque toda minha infância havia sido marcada pelos grandes e históricos discursos de Mussolini, cujas passagens eu memorizava na escola. Silêncio. Mimo falou em uma voz rouca, difícil de ouvir. Ele disse: “Cidadãos, amigos. Depois de tantos sacrifícios dolorosos... estamos aqui. Glória aos que caíram pela liberdade”. E só. Ele voltou para dentro. A plateia gritou, os revolucionários levantaram suas armas e atiraram para o alto festivamente. Nós, as crianças, tentamos pegar os cartuchos, itens preciosos, mas eu havia aprendido também que a liberdade de expressão significa liberdade retórica. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Alguns dias depois eu vi os primeiros soldados americanos. Eles eram americanos afrodescendentes. O primeiro yankee que conheci foi um homem negro, Joseph, que me apresentou as maravilhas de Dick Tracy e Li’l Abner. Suas histórias em quadrinhos eram coloridas vibrantemente e cheiravam bem.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Um dos oficiais (Major ou Capitão Muddy) foi convidado na villa da família de duas meninas que eram da minha turma. Eu o conheci no jardim delas, onde algumas jovens, cercando Capitão Muddy, falavam em um francês amador. Capitão Muddy sabia um pouco de francês também. Minha primeira imagem dos americanos libertadores foi, então, – depois de tantas faces pálidas em camisas negras – a de um educado homem negro em um uniforme amarelo e verde dizendo “Oui, merci beaucoup, Madame, moi aussi j’aime le champagne…” Infelizmente não havia champagne, mas Capitão Muddy me deu meu primeiro pedaço de chiclete Wrigley’s Spearmint e eu me pus a mascá-lo o dia todo. À noite, punha o chiclete em um pouco de água em um copo, para que estivesse fresco no dia seguinte. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Em Maio nós ficamos sabendo que a guerra havia acabado. A paz despertou em mim uma sensação curiosa. Eu havia sido ensinado que um estado de guerra permanente era a condição normal para um jovem italiano. Nos meses que seguiram, eu descobri que a Resistência não era apenas um fenômeno local, mas sim europeu. Eu aprendi palavras novas e empolgantes como réseau, maquis, armée secrète, Rote Kapelle, Warsaw ghetto. Eu vi as primeiras fotografias do Holocausto, descobrindo o significado antes de conhecer a palavra. Eu entendi do que havíamos sido libertados. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Hoje, em meu país, há pessoas se perguntando se a Resistência teve um impacto militar real sobre o curso da guerra. Para minha geração, esta é uma pergunta irrelevante: nós imediatamente entendemos o significado moral e psicológico da Resistência. Para nós, era motivo de orgulho saber que os europeus nãos esperaram a libertação passivamente. E para os jovens americanos que pagavam com o próprio sangue pela restauração de nossa liberdade, significava algo saber que por trás das linhas de fogo havia europeus pagando por essa dívida adiantadamente. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Hoje, em meu país, há aqueles dizendo que o mito da Resistência foi uma mentira comunista. É verdade que os comunistas exploraram a Resistência como se ela fosse sua propriedade pessoal, já que eles desempenharam um papel essencial nela; mas eu lembro dos partidários com bandanas de cores diferentes. Grudado no rádio, passei minhas noites – a janela fechada, a escuridão fazendo o pequeno espaço do aparelho um halo luminoso – ouvindo as mensagens enviadas pelo Voice of London para os partidários. Elas eram misteriosas e poéticas ao mesmo tempo (O sol também se levanta, As rosas irão florescer) e a maioria delas eram “messaggi per la Franchi.” Alguém confidenciou-me que Franchi era o líder mais poderoso de uma rede clandestina no noroeste da Itália, um homem de coragem legendária. Franchi tornou-se meu herói. Franchi (cujo nome real era Edgardo Sogno) foi um monarquista, tão anti-Comunista que após a guerra juntou-se a grupos de direita e foi condenado por colaborar em um projeto para um golpe de estado reacionário. Quem se importa? Sogno ainda permanece o herói dos sonhos da minha infância. Liberação era um feito comum à pessoas de cores diferentes. </div>
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<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Hoje, em meu país, há aqueles que dizem que a Guerra pela Liberação da Itália foi um período trágico de divisão e que todos precisamos de uma reconciliação nacional. A memória desses terríveis anos deve ser reprimida, refoulée, verdrängt. Mas Verdrängung causa neurose. Se a reconciliação significa compaixão e respeito por todos que lutaram de boa fé em suas próprias guerras, perdoar não significa esquecer. Eu posso até aceitar que Eichmannn sinceramente acredite em sua missão, mas não posso dizer “Ok, volte e faça novamente”. Nós estamos aqui para lembrar e solenemente dizer que “eles” não devem fazê-lo novamente. </div>
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<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Mas quem são eles?</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Se pensamos nos governos totalitários que governaram a Europa antes da Segunda Guerra Mundial podemos facilmente dizer que seria difícil que eles reaparecessem na mesma forma em uma circunstância histórica diferente. Se o Fascimo de Mussolini era baseado na ideia de um líder carismático, de corporativismo, de um Destino Imperial Romano utópico, em um desejo imperialista de conquistar novos territórios, em um nacionalismo exacerbado, no ideal de uma nação de camisas negras, na rejeição do parlamento democrático, no anti-semitismo, então não tenho dificuldade em reconhecer que a Alleanza Nazionale da Itália - nascida do partido Fascista pós guerra, o MSI (Movimento Sociale Italiano), e certamente um partido de direita - tem agora pouco em comum com o velho fascismo. Na mesma linha de raciocínio, mesmo que eu esteja muito preocupado com os vários movimentos parecidos com o Nazismo que surgiram em certos lugares da Europa, incluindo a Russia, eu não acredito que o Nazismo, em sua forma original, está prestes a reaparecer como um movimento nacional. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Ainda assim, mesmo que os regimes políticos possam ser destituídos, e as ideologias possam ser criticadas e abandonadas, por trás de um regime e suas ideologias há sempre uma forma de pensar e sentir, um grupo de hábitos culturais, de instintos e impulsos incomensuráveis. Há ainda algum outro fantasma assombrando a Europa (para não falar de outras partes do mundo)?</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Ionesco disse certa vez que “apenas as palavras contam e o resto é apenas conversa”. Hábitos linguísticos são frequentemente importante sintomas de sentimentos subjacentes. Assim, vale a pena perguntar por que não somente a Resistência, mas também a Segunda Guerra Mundial foram definidas pelo mundo como uma luta contra o Fascismo. Se você reler Por quem os sinos dobram, de Hemingway, descobrirá que Robert Jordan identifica seus inimigos com fascistas, mesmo quando pensa nos falangistas espanhóis. E para FDR, “A vitória do povo americano e de seus aliados será a vitória contra o fascismo e a morte do depotismo que ele representa”. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Durante a Segunda Guerra Mundia, os americanos que tomaram parte na Guerra da Espanha eram chamados de “anti-fascistas prematuros” – lutar contra Hitler, nos anos 40, era o dever moral de todo bom americano, mas lutar contra Franco nos anos 30 despertava desconfiança por ser feito principalmente de comunistas e outros esquerdistas... Por que a expressão porco fascista foi usada pelos americanos radicais trinta anos depois para se referir à policiais que não aprovavam seu hábito de fumar? Por que nao diziam porco Cagoulard, porco Falangista, porco Ustashe, porco Quisling, porco Nazista?</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Mein Kampf é um manifesto de um programa político completo. O Nazismo tinha a teoria racista do povo Ariano escolhido, uma noção precisa do que é arte deturpada , entartete Kunst, a filosofia do desejo de acumular poder e do Ubermensch. O Nazismo era decididamente anti-cristão e neo-pagão, enquanto o Materialismo Dialético de Stalin (sua versão oficial do Marxismo Soviético) era claramente materialística e atéia. Se o totalitarismo significa um regime que subordina cada ato do indivíduo ao estado e à sua ideologia, então tanto Nazismo quanto Stalinismo eram regimes totalitários. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O Fascismo italiano foi certamente uma ditadura, mas não foi totalmente autoritário - não por ser mais leve, mas por uma fraqueza filosófica em sua ideologia. Contrário à opinião popular, o Fascismo italiano não teve uma filosofia em especial. O artigo sobre Fascismo assinado por Mussolini na Enciclopédia Trecanni foi inspirado por Giovanni Gentile, mas refletia a noção hegeliana tardia do Absoluto e do Estado Ético que nunca foram realizadas por Mussolini. Mussolini não possuía nenhuma filosofia: só possuía retórica. Ele foi militante ateu quando jovem e mais tarde assinou a Convenção com a Igreja e recebeu os bispos que abençoaram as flâmulas fascistas. Em sua época anti-clerical, de acordo com certa lenda, ele pediu a Deus que, para provar sua existência, o matasse imediatamente. Mais tarde, Mussolini sempre citava Deus em seus discursos e não se importava de ser chamado de Homem da Providência Divina. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O fascismo italiano foi a primeira ditadura de direita a tomar um país europeu e movimentos similares encontraram no regime de Mussolini um arquétipo. O fascismo italiano foi o primeiro a estabelecer uma liturgia militar, um folclore, até mesmo uma maneira de se vestir – muito mais influente, com suas camisas negras, que Armani, Benetton ou Versace jamais serão. Foi somente nos anos 30 que movimentos facistas apareceram com Mosley, na Grã-Bretanha e na Latvia, Estonia, Lithuania, Polônia, Hungria, Romania, Bulgária, Grécia, Ioguslávia, Espanha, Portugal, Noruega e até na América do Sul. Foi o fascismo italiano que convenceu muitos líderes europeus liberais que um novo regime daria conta de uma reforma social interessante e se provava uma alternativa razoavelmente interessante a ameaça comunista.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Ainda assim, pioneirismo histórico não me parece razão sufiente para explicar porque a palavra fascismo tornou-se sinédoque, ou seja, uma palavra que pode ser utilizada por diferentes movimentos totalitários. Isto não é porque o Fascismo contém em si, em seu estado essencial, todos os elementos que mais tarde formariam o Estado Totalitárista. Ao contrário, o Fascismo não possui essência. Fascismo é um totalitarismo vago, uma colagem de diferentes ideias filosóficas e políticas, uma colméia de contradições. Pode-se conceber um estado totalitário que combine monarquia e revolução, o Exército real com a milícia pessoal de Mussolini, os privilégios da Igreja com a educação estatal que exalta a violência, controle absoluto estatal e mercado livre? O Partido Fascista nasceu gabando trazer uma nova ordem revolucionária, mas foi financiado pelos mais conservadores dentre os capitalistas que esperavam uma contra-revolução. No seu início, foi republicano. Mas sobreviveu por vinte anos proclamando lealdade à família real, enquanto o Duque (o indisputado Líder Máximo) estava de braços dados com o Rei, para quem ofereceu o título de Emperador. Mas quando o Rei despediu Mussolini em 1943, o partido reapareceu dois meses depois com o apoio alemão, sob o emblema de uma república “social”, reciclando seu roteiro revolucionário, agora enriquecido com ideias jacobinas.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Havia apenas um estilo arquitetônico nazista e um estilo artístico nazista. Se o arquiteto nazista era Albert Speer, não havia mais espaço para Mies van der Rohe. Igualmente, sob o domínio de Stalin, se Lamarck era certo não haver espaço para Darwin. Na Itália certamente havia arquitetos fascistas, mas próximo de seus pseudo-Coliseus havia vários novos prédios inspirados no racionalismo moderno de Gropius.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Não havia um Zhdanov fascista estabelecendo os padrões culturais. Na Itália havia dois prêmios importantes. O prêmio Cremona era controlado por Roberto Farinacci, fanático e ignorante fascista que encorajava arte propagandista. (Lembro-me de pinturas com títulos como Ouvindo o discurso do Duque pelo rádio ou Estados da Mente criados pelo Fascismo). O prêmio Bergamo era patrocinado por Giuseppe Bottai, erudito e razoávelmente tolerante fascista que protegia ao mesmo tempo o conceito da arte pela arte e as diversas formas de arte avant-gard que eram consideradas corruptas e de tendência comunista na Alemanha. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O poeta nacional era D’Annunzio, um dândi que na Alemanha ou Rússia teria sido mandado para o paredão. Ele foi considerado como o bardo do regime graças ao seu nacionalismo e culto ao heroísmo – que eram, na verdade, abundantemente misturados com influências do fin de siècle francês decadente. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Examinemos o Futurismo. Pode-se pensar que há possibilidade de considerá-lo uma manifestação do entartete Kunst, junto com o Expressionismo, Cubismo e Surrealismo. Mas os primeiros futuristas italianos eram nacionalistas e favoreciam a participação italiana na Primeira Guerra Mundial por razoões estéticas; celebravam a velocidade, violência e o risco, o que conectava-se de certa forma com o culto fascista da juventude. Enquanto o Fascismo se identificava com o Império Romano e redescobria tradições rurais, Marinetti (que proclamava que o carro era mais bonito que a Vitória de Samotrácia e queria matar até mesmo a luz da lua) nunca foi oficialmente indicado como membro da Academia Italiana, que grandemente respeitava a luz da lua. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Muitos dos partidários do futuro e intelectuais futuristas do Partido Comunista foram educados pela GUF, a associação fascistas de estudantes universitários, que supostamente era o berço da nova cultura fascista. Esses clubes tornaram-se uma espécia de caldeirão intelectual onde novas ideias circulavam sem nenhum controle ideológico real. Não que os homens do partido fossem tolerantes às novas formas radicais de pensar, mas poucos eram equipados intelectualmente para controlá-las. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Durante esses vinte anos, a poesia de Montale e de outros escritores associados ao grupo chamado de Ermetici foi a reação ao estilo explosivo do regime e esses poetas tinham permissão para desenvolver seus protestos literários de dentro do que parecia uma torre de marfim. O clima dos poetas do grupo Ermetici era exatamente oposto ao culto fascista do otimismo e heroísmo. O regime tolerava sua discordância óbvia, mas socialmente imperceptível, simplesmente por não prestar atenção a uma linguagem tão arcaíca. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Tudo isso não significa que o Fascismo italiano era tolerante. Gramsci foi mantido na prisão até sua morte; os líderes da oposição Giacomo Matteotti e os irmãos Rosselli foram assassinados; a liberdade de imprensa foi exterminada, os sindicatos foram desmontados e os que se opunham politicamente ao governo foram confinados em ilhas distantes. O poder legislativo tornou-se mera ficção e o poder executivo (que controlava o judiciário e a mídia) criava novas leis diretamente, entre elas a que pretendia a preservação da raça (o gesto formal dos italianos em apoio ao que se tornaria o Holocausto).</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>A visão contraditória que descrevo não era o resultado da tolerância, mas sim de um desconcerto político e ideológico. Mas era um desconcerto rígido, uma confusão estruturada. O Fascismo era filosoficamente incongruente, mas emocionalmente prendia-se firmemente à fundamentos arquetípicos.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Chegamos, então, a meu segundo argumento. Havia apenas um Nazismo. Nós não podemos rotular o hyper-católico Falangismo espanhol de Nazismo, já que o Nazismo é fundamentalmente pagão, politeísta e anti-Cristão. Mas o Fascismo pode assumir várias formas e seu nome não muda. A noção de fascismo não é diferente da noção de jogo de Wittgenstein. Um jogo pode ser competitivo ou não, demandar habilidades especiais ou não, pode envolver dinheiro ou não. Jogos são atividades diferentes que apresentam alguma “semelhança familiar”, como afirma Wittgenstein. Considere a sequência:</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: center;">
1 2 3 4</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: center;">
abc bcd cde def</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Suponha que há uma série de grupos políticos em que um grupo é caracterizado pelas particularidades abc, grupo dois por bcd e assim em diante. Grupo dois é similar ao grupo um por terem duas características em comum; pelo mesmo motivo três é similar a dois e quatro é similar a três. Note que três também apresenta uma característica em comum com um (eles apresentam c). O mais curioso caso é apresentado por quatro, obviamente similar a três e dois, mas sem nada em comum a um. No entanto, devido à série ininterrupta de similaridades decrescentes entre um e quatro, há ainda, por uma espécie de ilusão transitória, uma semelhança familiar entre quatro e um. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O Fascismo tornou-se um termo guarda-chuva porque podemos eliminar do regime uma ou outra característica e ele ainda será reconhecível como Fascismo. Tire o imperialismo e você ainda terá Franco e Salazar. Tire o colonialismo e você terá o fascismo Balcã dos Ustashes. Adicione ao Fascismo italiano um anti-capitalismo radical (que nunca interessou muito a Mussolini) e você terá Ezra Pound. Adicione um culto à mitologia celta e ao mistiscismo em torno do Santo Graal (completamente alheio ao Fascismo oficial) e você terá um dos mais respeitados gurus fascistas, Julius Evola.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Apesar da sua indefinição, acredito ser possível determinar uma lista de características que são típicas do que eu chamaria de Ur-Fascismo, ou Fascismo Eterno. Essas características não podem ser organizadas em um sistema; muitas contradizem umas às outras e são típicas de outras formas de depotismo ou fanatismo. Mas é suficiente que uma delas esteja presente para que o fascismo se coagule em torno dela. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>1.</b> A primeira característica do Fascismo eterno é o culto à tradição. O Tradicionalismo é, obviamente, muito mais antigo que o fascismo. Não só é típico do pensamento católico contra-revolucionário pós Revolução Francesa, mas nascido da Era Helenística como uma reação ao clássico racionalismo grego. No mediterrâneo, pessoas de diferentes religiões (a maioria indulgentemente aceitas pelo Panteão Romano) começaram a sonhar com uma revelação recebida no despertar da humanidade. Essa revelação, de acordo com o misticismo tradicionalista, permaneceu escondida sob o véu de outras línguas – nos hieroglifos egípcios, nas runas celtas, em manuscritos de desconhecidas religiões asiáticas. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Essa nova cultura deve ser sincrética. Sincretismo não é só, como o dicionário define, “ a combinação de diferentes crenças e práticas” - é uma combinação que tolera contradições. Cada uma dessas mensagens originais contém alguma sabedoria e quando afirmam coisas diferentes ou incompatíveis é só porque estão aludindo, alegoricamente, à mesma verdade primitiva. </div>
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Como consequência, não há avanço nos conhecimentos. A verdade já foi descoberta de uma vez por todas e nós só podemos interpretar sua mensagem obscura.</div>
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Precisa-se somente olhar o programa de cada movimento fascista para descobrir vários pensadores tradicionalistas. O nazismo-gnosticismo era nutrido por elementos tradicionalistas, sincretistas e ocultistas. O mais influente teórico, fonte de teorias da nova direita italiana, Julius Evola, fundiu o Santo Graal com O Protocolo dos Sábios de Sião, alquemia com o Sagrado Romano e o Império Germânico. O simples fato de que a direita italiana, para demonstrar sua mente aberda, recentemente expandiu seu programa para incluir obras de De Maistre, Guenon e Gramsci, é prova do sincretismo. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Se você passar os olhos pelas estantes que, nas livrarias americanas, estão classificadas como New Age, encontrará até mesmo Santo Agostinho, que até onde sei, não foi um fascista. Mas combinar Santo Agostinho e Stonehenge – isso é um sinal de fascismo.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>2. </b>Tradicionalismo implica em uma rejeição do modernismo. Tanto fascistas quanto Nazistas adoravam a tecnologia, enquanto pensadores tradicionalistas rejeitavam-na como uma negação dos valores espirituais tradicionais. No entanto, mesmo que os Nazistas tivessem orgulho de seus feitos industriais, seu elogio ao modernismo era somente a superfície de uma ideologia baseada em Sangue e Terra (Blut und Boden). A rejeição do mundo moderno era disfarçada de resposta ao modo capitalista de vida, mas preocupava-se principalmente com a rejeição do Espírito de 1789 (e de 1776, claro). O Iluminismo, a Era da Razão, são vistos como o marco inicial da depravação moderna. Nesse sentido, o Fascismo Eterno pode ser definido como um irracionalismo. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>3.</b> O irracionalismo também depende do culto da ação pela ação. Como a ação é bela em si mesma, precisa ser tomada antes, ou sem, qualquer reflexão. Pensar é uma forma de emasculação. Logo, a cultura é suspeita na medida em que se identifica com atitudes críticas. Desconfiança do mundo intelectual sempre foi um sintoma do Fascismo Eterno, da suposta afirmação de Goering (“Quando ouço falar de cultura, pego minha arma”) ao frequente uso de expressões como “intelectuais degenerados”, “cabeça de vento”, “esnobes afetados”, “universidades são um ninho de comunistas”. Os intelectuais oficiais do Fascismo ocupavam-se em atacar a cultura moderna e a inteligência liberal por ter traído os valores tradicionais.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>4.</b> Não há fé sincrética que possa sobreviver à análise crítica. O espírito crítico faz distinções, e distinguir é um sinal do moderno. Na cultura moderna, a comunidade científica aprecia o desentendimento como uma forma de melhorar o conhecimento. Para o Fascismo Eterno, desentendimento é traição.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>5.</b> Além disso, o desentendimento é sinal de diversidade. O Fascismo Eterno cresce e busca o consenso explorando e exarcebando o medo da diferença natural. O apelo do fascista ou do fascista prematuro é uma apelo contra o invasor. Assim, o Fascismo Eterno é racista por definição. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>6.</b> Fascismo eterno é derivado do indivíduo ou da frustração social. É por isso que uma das características mais comuns do Fascismo histórico seja o apelo às frustrações da classe média, uma classe social que sofre de crise econômica ou sente-se politicamente humilhada e está assustada com a pressão vindo de outras classes sociais mais baixas. Em nossos tempos, quando os antigos proletários tornam-se burgueses mesquinhos (e os pobres são geralmente excluídos do cenário político), o fascismo de amanhã encontrará sua audiência na maioria.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>7.</b> Para pessoas que sentem-se privadas de uma identidade social clara, o Fascismo Eterno diz que seu único privilégio é o mais comum: terem nascido no mesmo país. Essa é a origem do nacionalismo. Além disso, os únicos que podem prover uma identidade para a nação são os inimigos. Assim, na raiz da psicologia por trás do Fascismo Eterno há uma obsessão com estrategemas, possivelmente internacionais. Os seguidores devem sentir-se cercados. O jeito mais fácil de resolver a estrategema internacional é apelar para a xenofobia. Mas a estrategema também precisa vir de dentro: os judeus são, usualmente, os melhores alvos por terem a vantagem de estar ao mesmo tempo dentro e fora. Nos EUA, a instância mais proeminente de obsessão com estratagemas pode ser encontrada em A nova ordem mundial, de Pat Robertson, mas, como vimos recentemente, há muitas outras.</div>
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<b>8.</b> Os seguidores devem sentir-se humilhados pela ostentação de fortuna e força de seus inimigos. Quando eu era um menino, fui ensinado a pensar nos ingleses como as pessoas que tinham cinco refeições. Eles comiam mais frequentemente que os pobres, mas sóbrios italianos. Judeus eram ricos e ajudavam uns aos outros por uma rede secreta de ajuda mútua. No entanto, os seguidores precisam esta convencidos que eles podem reprimir seus inimigos. Assim, por uma contínua mudança no foco retórico, os inimigos são ao mesmo tempo muito fortes e muito fracos. Governos fascistas esão condenados a perder guerras por serem inerentemente incapazes de avaliar objetivamente a força do inimigo.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>9. </b>Para o Fascismo eterno não há uma luta pela vida; a vida é vivida pela luta. Assim, o pacifismo é um tráfico com o inimigo. Ele é ruim porque a vida é um estado de guerra permanente. Isso resulta em uma obsessão com o dia final. Já que os inimigos devem ser derrotados, deve haver uma batalha final, após a qual o movimento terá controle do mundo. Mas essa “resolução final” implica em uma era de paz, uma Era Dourada, que contradiz o princípio de estado de guerra permanente. Nenhum líder fascista obteve sucesso em resolver esta contradição.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>10. </b>O elitismo é característica típica de qualquer ideologia reacionária, uma vez que é fundamentalmente aristocrático e a aristocracia e o militarismo elitistas implicam cruelmente em um desprezo pelo fraco. O fascismo eterno só pode advogar por um elitismo popular. Cada cidadão pertence ao melhor grupo de pessoas do mundo, os membros do partido são os melhores entre os cidadãos, cada cidadão pode (ou deve) tornar-se um membro do partido. Mas não podem haver patrícios sem plebeus. De fato, o líder, sabendo que seu poder não lhe foi delegado democraticamente, mas conquistado pela força, também sabe que sua força baseia-se na fraqueza das massas; elas são tão fracas quando necessário e desejado pelo governante. Como cada grupo é organizado hierarquicamente (de acordo com um modelo militar), cada subordinado ao líder despreza seus próprios subordinados, que por sua vez desprezam seus inferiores. Isso reforça o senso de superioridade das massas.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>11. </b>Nessa perspectiva, todos são criados para tornarem-se heróis. Em toda mitologia, o herói é alguém excepcional, mas na ideologia fascista, o heroísmo é a norma. Esse culto do heroísmo é estreitamente ligado ao culto da morte. Não é por acaso que o lema dos Falangistas espanhóis era “Viva la muerte”. Em sociedades não-fascistas, as massas entendem a morte como algo desagradável, mas que deve ser encarado com dignidade; seguidores do Fascismo são ensinados que ela é o caminho doloroso para uma alegria sobrenatural. Por isso, o fascista deseja a morte heróica, propagandeada como a melhor recompensa por uma vida heroíca. O herói fascista está impaciente para morrer. Em sua impaciência, ele frequentemente envia outras pessoas para a morte.</div>
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<b>12.</b> Como tanto um estado permanente de guerra e de heroísmo são difíceis de manter, o Fascismo transfere seu desejo de poder para a esfera sexual. Essa é a origem do machismo (que implica em um desdém pelas mulheres e intolerância e condenação de hábitos sexuais fora do padrão, da castidade à homossexualidade). Como a manutenção deste estado é difícil também nessa esfera, o herói fascista tende a usar armas – e fazê-lo torna essa substituição um exercício fálico. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>13.</b> O Fascismo Eterno baseia-se em um populismo seletivo, pode-se até dizer um populismo qualitativo. Na democracia, o cidadão possui direitos individuais, mas os cidadãos como um todo possuem um impacto político quantitativo – cada um deve seguir as decisões da maioria. Para o fascista, no entanto, indivíduos não possuem direitos individuais e o povo é concebido como a qualidade, uma entidade monolítica expressando um desejo comum. Como grandes quantidades de seres humanos não possuem um desejo comum, o líder finge ser seu intérprete. Os cidadãos, que perderam seu poder de delegar, agora só são chamados para exercer o papel enquanto ppovo. Assim, o povo é uma figura teatral. Para observarmos um bom exemplo do populismo qualitativo não precisamos mais da Piazza Venezia em Roma ou do Estádio Nuremberg. Há no nosso horizonte um populismo da TV ou da internet, em que cada resposta emocional de um grupo selecionada é apresentada e aceita como a Voz do Povo.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Por causa de seu populismo qualitativo, o Fascismo Eterno deve ser contra os parlamentos corruptos do governo. Uma das primeiras coisas ditas por Mussolini ao parlamento italiano foi “Eu poderia ter transformado este lugar surdo e sombrio em um alojamento para meus centuriões” - “centuriões” sendo uma subdivisão da tradional Legião Romana. De fato, ele imediatamente proveu melhor moradia para seus seguidores, mas pouco depois liquidou o parlamento. Quando um político duvida da legitimidade do parlamento porque ele não representa mais a Voz do Povo, pode-se sentir o cheiro do Fascismo Eterno. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>14.</b> O Fascismo Eterno fala Novilíngia. Novilíngua foi inventada por Orwell, em 1984, como a língua oficial de Ingsoc, Inglês Socialista. Mas os elementos do Fascismo Eterno são comuns a diferentes formas de ditaduras. Todos as cartilhas Nazistas ou Fascistas usavam um vocabulário empobrecido e uma sintaxe elementar para limitar os instrumentos de pensamento complexo e crítica. Mas nós precisamos estar prontos para identificar outros tipos de Novilínguas, mesmo que eles tomem a forma aparentemente inocente de um programa popular de televisão.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na manhã de 27 de julho de 1943, soube pelas notícias do rádio que o Fascismo havia entrado em colapso e que Mussolini estava preso. Quando minha mãe mandou que eu comprasse o jornal, vi que havia jornais na banca mais próxima com diferentes títulos. Vi, ainda, após ler os títulos, que cada jornal dizia coisas diferentes. Comprei um deles ao acaso e li a mensagem na primeira página, assinada por cinco ou seis partidos políticos – entre eles Democrazia Cristiana, o Partido Comunista, o Partido Socialista, o Partito d’Azione e o Partido Liberal.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Até então, eu acreditava que havia somente um único partido em cada país e que o da Itália era o Partido Nacional Fascista. Agora, descobria que em meu país diversos partidos podiam existir ao mesmo tempo. Como era um menino inteligente, imediatamente percebi que tantos partidos não poderiam ter surgido da noite para o dia e que deviam ter existido por algum tempo como organizações clandestinas.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A mensagem na página da frente celebrava o fim da ditadura e o retorno da liberdade: liberdade de expressão, de imprensa, política. Estas palavras, “liberdade”, “ditadura” – eu as lia agora pela primeira vez em minha vida. Eu renascia como um homem ocidental livre graças a essas palavras. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nós precisamos nos manter alerta, para que o signficado dessas palavras não seja esquecido novamente. O Fascismo ainda está entre nós, às vezes no trivial. Seria muito mais fácil, para nós, se reaparecesse no cenário mundial alguém dizendo “Eu quero reabrir Auschwitz, Quero a volta dos Camisa Negras marchando nas praças italianas”. A vida não é tão simples. O Fascismo Eterno pode voltar sob o mais inocente dos disfarces. Nosso dever é descobri-lo e apontar nossos dedos para suas novas formas – todo dia, em todo lugar do mundo. O que Franklin Roosevelt disse, em 2 de novembro de 1983, merece ser lembrado: “Eu arrisco a ousada afirmação de que se a democracia americana deixar de mover-se adiante como uma força vida, buscando dia e noite meios pacíficos de melhorar a vida de nossos cidadãos, o fascismo crescerá em nossa terra”. Liberdade e libertação são uma tarefa sem fim. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Encerro com um poema de Franco Fortini:</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sulla spalletta del ponte</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Le teste degli impiccati</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nell’acqua della fonte</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
La bava degli impiccati.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sul lastrico del mercato</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Le unghie dei fucilati</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sull’erba secca del prato</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
I denti dei fucilati.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mordere l’aria mordere i sassi</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
La nostra carne non è più d’uomini</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mordere l’aria mordere i sassi</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Il nostro cuore non è più d’uomini.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ma noi s’è letto negli occhi dei morti</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E sulla terra faremo libertà</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ma l’hanno stretta i pugni dei morti</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
La giustizia che si farà.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
* * *</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
Gabshttp://www.blogger.com/profile/06756939366189003713noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-141550551443466033.post-19759333010704677682017-02-09T22:12:00.001-02:002017-02-09T22:25:43.148-02:00O incolor Tsukuru Tazaki e seus anos de peregrinação, Haruki Murakami<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://3.bp.blogspot.com/-kNoi49nmZrw/WJ0E6aLNwaI/AAAAAAAASaQ/-KOoBVk2WkUz0Spy903SysWAnqVzWecHACLcB/s1600/CYMERA_20170209_220814.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://3.bp.blogspot.com/-kNoi49nmZrw/WJ0E6aLNwaI/AAAAAAAASaQ/-KOoBVk2WkUz0Spy903SysWAnqVzWecHACLcB/s640/CYMERA_20170209_220814.jpg" width="360" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
Autor: Haruki Murakami</div>
<div style="text-align: justify;">
Tradutor: Eunice Suenaga</div>
<div style="text-align: justify;">
Edição: Rio de Janeiro: Objetiva, 2014</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Haruki Murakami é autor contemporâneo japonês de bastante destaque no cenário internacional. Suas obras possuem bastante alcance, recebendo traduções em diversos idiomas e adaptações para o cinema. Seu estilo possui clara influência ocidental, em especial da literatura e música norte-americana, o que o torna mais acessível fora da Ásia. No Brasil, vários de seus títulos foram publicados pela Alfaguara e possuem considerável público. </div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Isso se deve, em parte, às narrativas centradas na ação que Murakami constrói. Sua obra consegue entreter seu leitor com um ritmo acelerado, mas sem ser demasiadamente superficial. O autor recorre muitas vezes à inserção de uma aura misteriosa em que o mundo físico e um outro mundo mágico – como o subterrâneo de 1Q84 – coexistem, construindo uma atmosfera intrigante. Também recorre frequentemente, como em Norwegian Wood, a outro mundo não visível: a investigação psicológica de personagens reféns de si mesmos. O incolor Tsukuru Tazaki e seus anos de peregrinação pertence a essa segunda categoria.</div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Tsukuru Tazaki é o protagonista desta. Engenheiro, Tsukuru trabalha em uma companhia férrea construindo estações de trem, uma paixão de sua adolescência. É saudável, possui boa educação e situação financeira e, como diria Jane Austen, “deve estar procurando uma esposa”. Sara, uma mulher a quem é apresentado por um colega de trabalho, é seu mais novo interesse amoroso. Ela, no entanto, apresenta um obstáculo ao nosso protagonista: demanda que ele invista emocionalmente no relacionamento.</div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Para isso, Tsukuru precisa voltar ao seu passado e entender o trauma que marcou sua adolescência. Na época do colegial, ele foi parte de um grupo de cinco amigos próximos, cujos nomes coincidentemente eram de cores diferentes – Akamatsu é “pinheiro vermelho”, Ômi é “mar azul” e as meninas Shirane “raiz branca” e Kurono “campo preto”. Somente a ele cabe um nome desligado desse signficado, uma vez que o seu está relacionado com a ideia de construir. Ficou o apelido e a sina de Tsukuru, o incolor. </div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>A amizade dos cinco é intensa. Juntos, voluntariam-se em uma escola humilde da região. Quando terminam os estudos secundários, Tsukuru é o único que decide abandonar Nagoia por Tóquio. Um ano depois, recebe um telefonema de Azul dizendo para não procurá-los mais.<br />
Tsukuru é profundamente inseguro e essa rejeição é aceita por ele quase que sem reservas. Mergulha em uma profunda depressão da qual emergirá somente seis meses mais tarde; torna-se um homem mudado. </div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>É difícil apontar qual a principal falha deste romance: seu protagonista infantil, o péssimo trabalho de seu autor ao abordar a sexualidade de seus personagens ou as pontas soltas mal disfarçadas com um final aberto que pouco acrescenta ao livro. O incolor Tsukuru Tazaki e seus anos de peregrinação é uma realização fraca quando comparada com os outros romances do autor.</div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>As personagens aqui simplesmente não convencem, meras promessas de algo que poderia ser melhor desenvolvido. Branca é, talvez, a personagem mais injustiçada. Sabemos que ela é dona de uma sensibilidade excepcional porque é artista e dá aula para crianças (o protagonista que passa a vida inteira remoendo uma única rejeição sem ter coragem de questioná-la de fato, mas aparentemente não devemos pensar nele como alguém particularmente sensível porque é engenheiro ou qualquer justificativa que o valha). Sara, o interesse amoroso do protagonista, é mero receptáculo para a necessidade de motivação do personagem; a sua é somente um relacionamento estável. Representa, de maneira quase risível, um pólo oposto à estranha paixão adolescente de Tsukuru, que é incapaz de diferenciar as duas amigas – uma solução preguiçosa do autor para o fato de que, exceto por características físicas, pouco diferencia as personagens. </div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Há ainda o amigo da Universidade de Tsukuru, Haida – hai é uma palavra tradicional japonesa para a cor cinza – cuja entrada e saída súbita na vida do personagem é constatada por nosso protagonista como algo que também precisa de resolução, mas abandonada no meio do caminho. Sua presença acrescenta ainda uma narrativa <i>myse en abime</i> também sem resolução que aborda frouxamente o tema da peregrinação.</div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O conceito de peregrinação está no centro do romance, mas nunca é discutido abertamente e poderia ser melhor aproveitado. Tsukuru é expulso de uma sociedade idealizada, unida por motivos altruístas, mas peregrina de fato muito pouco para quem trabalha com estações de trem – uma ironia bem fraca. Duas viagens concluem todo seu drama pessoal, somente uma realmente para longe – e que é abordada superficialmente, uma vez que segue a mesma estrutura dos episódios que tomam lugar em Nagoia e não acrescentam nada que não poderia ter acontecido no próprio Japão e nenhuma epifania particularmente enriquecedora, mas somente dá algumas respostas para o mistério central da narrativa.</div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Para não dizer que o autor não percebe o material que tem em mãos, temos diversos parágrafos explicando o significado mais profundo do interesse de Tsukuru por estações de trem, uma metáfora tão óbvia que ao ser esmiuçada apenas dilui seu poder.</div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>As falhas de O incolor Tsukuru Tazaki e seus anos de peregrinação possui são bastante óbvias e fazem com que a obra seja uma das mais fracas de um autor, no geral, capaz de produzir romances de melhor qualidade. É chocante que Murakami não se envergonhe de permitir que um livro assinado por ele contenha a frase “Ele sentiu no pescoço dele o sorriso tranquilo dela, e seus seios estavam cheios de energia para continuar vivendo”, digna de um rol das piores citações da literatura recente. Resta torcer para que o autor se redima no futuro, retomando o potencial que exibiu em 1Q84. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Nota: ♥♥</div>
Gabshttp://www.blogger.com/profile/06756939366189003713noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-141550551443466033.post-4012829246356811022017-01-31T21:11:00.000-02:002017-02-01T10:09:24.548-02:00Dois Irmãos, Milton Hatoum<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-OJTHKaGmU24/WJEXjm8HJLI/AAAAAAAASB8/j0_3u9f_VTEEFUgLXLQdWDijjykGQbpmACLcB/s1600/CYMERA_20170131_164015.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://1.bp.blogspot.com/-OJTHKaGmU24/WJEXjm8HJLI/AAAAAAAASB8/j0_3u9f_VTEEFUgLXLQdWDijjykGQbpmACLcB/s400/CYMERA_20170131_164015.jpg" width="225" /></a></div>
Dois Irmãos, Milton Hatoum<br />
Título: Dois Irmãos<br />
Autor: Milton Hatoum<br />
Edição: Companhia das Letras, 2007.<br />
<br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Milton Hatoum é autor brasileiro contemporâneo de impressionante carreira. Manaura de família de origem libanesa, seus romances <i>Relato de um Certo Oriente, Dois Irmãos</i> e <i>Cinzas do Norte</i> todos foram premiados com o Jabuti de melhor romance. O potencial de Dois Irmãos em outras mídias, que é seu romance mais popular, têm sido bastante explorado recentemente. Em 2015, a obra foi adaptada em HQ por dois dos principais nomes brasileiros na área, Fábio Moon e Gabriel Bá, e em 2017 ganhou adaptação no formato minisérie para a rede Globo de televisão.</div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O enredo acompanha a vida dos gêmeos Omar e Yaqub. De família síria, os meninos crescem adorados pela mãe e irmã mais velha e ressentidos pelo pai, que nunca desejou intrusos no seu intenso idílio amoroso com a esposa. Nosso narrador mantém sua própria identidade em suspensa no ar a maior parte do romance – através das narrativas familiares que reorganiza para o leitor define, também, a si mesmo. </div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>A ideia de irmãos gêmeos possui um forte poder evocativo no imaginário coletivo ocidental por estar associada a outra ideia, muitas vezes fonte de horror, também explorada pela Literatura: o duplo. Inúmeras narrativas apoiam-se na imagem de personagens cujo destino está inevitavelmente ligado ao outro. Esse "outro" pode ser tanto complementar quanto o seu reverso, mas raramente é fonte de uma relação saudável. A sentença de um duplo “para vida”, que é a condição a qual os gêmeos são relegados por laços sanguíneos, reforça o ar trágico do qual Hatoum faz proveito ao narrar o fim da linhagem produzida por Zana e Halim.</div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Omar e Yaqub serem duas faces da mesma moeda não significa, no entanto, que um é bom e outro mau. Está nessa compreensão uma das chaves do romance, que explicam também o plano metafórico que Hatoum constrói. Ambos possuem falhas e elas são reflexos umas das outras. Em suas tentativas de diferenciar-se, tornam-se um completo.</div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span> O romance começa com Yaqub retornando da Síria após uma longa temporada em uma pequena aldeia, sem linguagem adequada para expressar-se nem conhecimento das regras de etiqueta. Omar reina absoluto na casa e nas afeições da mãe. Instala-se o conflito: as diferentes formas como os irmãos encaram o fracasso e a rejeição, a impossibilidade de entendimento entre ambos, cujos temperamentos parecem fazer tudo possível para negar as semelhanças físicas. E assim segue o romance inteiro: a vitória de um, intencional ou não, implica na derrota do outro. </div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Yaqub parte para São Paulo, onde encontra sucesso nos estudos universitários e, mais tarde, em uma carreira de engenheiro. Omar entrega-se à boêmia manauara, mergulhando cada vez mais fundo na vida noturna e nos lugares remotos da cidade. A tensão entre ambos é, também, uma materialização da tensão entre o Norte e o Sul do país: ambos são igualmente dados aos seus impulsos egoístas, apenas os exploram de maneiras diferentes – enquanto Yaqub lhes dá um verniz de sofisticação, Omar deleita-se com o que há de primitivo neles. Ainda neste panorama, temos a personagem Domingas. De origem pobre, fica órfã e é levada para o cuidado das freiras e, mais tarde, da família dos meninos que, apesar de não serem muito mais velhos que ela, exerce um ambíguo papel maternal em suas vidas. Representa outra faceta do Brasil: a que é explorada e relegada ao “quartinho dos fundos”, parte da família somente quando interessa aos que possuem maior poder.</div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Outro aspecto interessante explorado pelo autor é o núcleo familiar extremamente fechado, a ponto das relações serem todas contaminadas. A expressão máxima disso é, aqui, as inúmeras menções e mesmo a ocorrência direta de incesto. A obsessão de Zana pelos filhos, em especial Omar, e Rânia pelos irmãos é motivo até de alguns comentários, além da clara desconfiança do narrador – e aqui precisamos nos indagar se sua condição dentro do núcleo familiar não o faz particularmente malicioso na interpretação desses afetos. Halim claramente sente ciúmes de Zana. Essa obsessão leva os personagens a fechar-se e, eventualmente, acaba com sua linhagem. </div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Se o clima novelesco ameaça o romance de Hatoum com as ações dramáticas que recheiam seu romance, a maneira com que o autor captura o uso da língua dá autenticidade ao seu romance, fazendo dele, ao mesmo tempo, uma saga familiar com contornos épicos e um relato desses que é passado de boca a boca. O uso do narrador em primeira pessoa, dá folêgo para o romance nos momentos em que há afrouxamento da tensão entre as personagens – sua condição na família e no romance é a mesma: fonte de uma tensão subjacente, por vezes esquecida.</div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span> Dois irmãos consegue, portanto, agradar tanto o leitor mais casual quanto o mais exigente e é um romance interessante de nossa contemporaneidade. A prosa de Hatoum é fluída e sem floreios, mas também é dosada para que o leitor possa entrever possibilidades no que não é dito ou no que somente é insinuado de maneira rica. Suas críticas podem parecer sutis – o autor só abandona qualquer pretexto de sutileza quando trata do período da ditadura militar - mas conseguem ser contundentes sem cair em um tom professoral. Hatoum consegue a difícil tarefa de produzir um romance denso sem ser hermético.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Nota:♥♥♥♥♥</div>
<div>
<br /></div>
Gabshttp://www.blogger.com/profile/06756939366189003713noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-141550551443466033.post-51063401115248162012017-01-20T22:30:00.001-02:002017-01-20T22:33:16.238-02:00Esta valsa é minha, Zelda Fitzgerald<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-sfU4wbzCuIE/WIKq_SWsM8I/AAAAAAAARoQ/d-UiNjkUFPIjGaOzZd_uE1uDeOJZwzd0QCLcB/s1600/CYMERA_20170120_222405.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://1.bp.blogspot.com/-sfU4wbzCuIE/WIKq_SWsM8I/AAAAAAAARoQ/d-UiNjkUFPIjGaOzZd_uE1uDeOJZwzd0QCLcB/s400/CYMERA_20170120_222405.jpg" width="225" /></a></div>
Título:Esta valsa é minha<br />
Autor: Zelda Fitzgerald<br />
Tradução: Rosaura Eichenberg<br />
Edição: São Paulo: Companhia das Letras, 2014.<br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span><i>Esta valsa é minha</i>, de Zelda Fitzgerald, é um romance muitas vezes delegado à posição de complemento da obra prima do marido de sua autora, o romance Suave é a noite, de F.Scott Fitzgerald,. Essa relação ecoa também a de Zelda na História da Literatura: foi um dos ícones de sua época junto ao seu marido. Eram dois jovens belos e excêntricos, cuja imagem de excessos inebriantes escondia uma condição financeira instável. Juntos, incorporavam o espírito americano das tumultuosas décadas de 20 e 30.<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>A situação de <i>Esta valsa é minha</i> torna-se ainda mais complicada ao sabermos de seu caráter autobiográfico. Escrito pela autora durante uma de suas internações – sofreu de esquizofrenia – e editado e publicado posteriormente com a ajuda de seu marido, é impossível falar de Zelda seriamente sem dar certo peso às acusações completamente plausíveis de que Scott aproveitava-se de trechos inteiros escritos pela esposa. Se, para o leitor de ambos, parece inegável que há algo compartilhado no estilo dos dois, os protestos conhecidos da autora a respeito do silenciamento que sofria não parecem tão absurdos assim, embora sejam muitas vezes descreditados em favor de seu marido.</div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Por conta do drama real que envolve o único romance da autora, a obra é constantemente analisada com base nessas hipóteses e tem seu valor questionado e sua estrutura considerada obra do mero acaso. Zelda é definitivamente mais experimental que seu marido, seja lá qual for a motivação para isso, o que torna Esta valsa é minha um romance difícil de adentrar. O ritmo desenfreado com que acompanhamos as memórias de infância de Alabama, personagem central, pula de recordação para recordação tão rápido que desnorteia o leitor. Não se trata, no entanto, de um fluxo de consciência, uma vez que a narrativa acontece predominantemente em terceira pessoa. P trabalho narrativo apresenta rupturas em alguns momentos desconcertantes, seja por uma mudança no foco, que abandona Alabama para descrever os pensamentos de outras personagens muito ocasionalmente, seja pelo uso inesperado de um “nós” que culmina em um interessante diálogo. Hasting, antipático amigo escritor do marido de Alabama, diz ser da opinião de que que não adianta elaborar as relações humanas, ao que Alabama indaga tanto a ele quanto ao leitor: “diga-me, quem é este nós hipotético?”, logo após presentearmos com alguns parágrafos em que a terceira pessoa do plural é usada.</div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>O fio condutor dessa narrativa é o processo de desligamento de Alabama de quem foi um dia e sua total absorção no papel de esposa de David Knights, famoso e consagrado pintor. Das memórias confusas da infância, a corte e o casamento, a mudança para Nova Iorque e, depois para a Europa e, finalmente, sua tentativa de firmar-se como bailarina, o ritmo da narrativa acompanha a vida da narradora. É quando resolve dedicar-se totalmente ao balé, empreitada fadada ao fracasso devido a sua idade avançada para uma principiante, que vemos uma ordenação mais clara dos eventos. Ora, a vida também torna-se mais clara para Alabama, que pela primeira vez impõe-se uma rotina dura, ignorando tudo que seja alheio ao seu objetivo.</div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span> Parece leviano, para o leitor mais atento, deixar-se levar pelos julgamentos de caráter de Zelda e ignorar a possibilidade de uma intencionalidade nessa progressão interessante presente em seu romance. </div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Começamos com uma prosa extremamente desordenada e uma personagem jovem e impulsiva, terminamos com uma narrativa convencional na medida em que Alabama também se vê obrigada a ceder a uma vida convencional. Seu sonho de ser bailarina, uma última tentativa de ser relevante por si só, e seu pai morrem. Alabama volta para o seio familiar, parecendo conformada com sua posição como Mrs Knight.</div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Não só são modernas suas escolhas artísticas, é também assim seu olhar sobre as relações humanas. Há muitos silêncios no romance: não há cenas de sexo explícitas ou grandes cenas de amor. Intencionais ou não – o livro foi revisado e editado por F. Scott Fitzgerald – essas ausências fazem com que tenhamos acesso a tudo, mas o cerne do romance mantenha-se misterioso: não sabemos ao certo quem é Alabama pois ela também não o sabe. Ao invés de digressões somos presenteados com descrições que nem sempre esclarecem adequadamente as situações.</div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Isso, porém, prejudica um pouco o livro, dando-lhe um ar de incompleto que realmente prejudica uma obra que apresenta grande potencial no que experimenta. Ao leitor, então, cabe dar o peso adequado ao que acontece, uma vez que o romance lida com os namoricos de Alabama e sua quase amputação do pé da mesma maneira crua e objetiva.</div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span><i>Esta valsa é minha </i>é um romance interessante em suas escolhas, pitoresco em seu retrato da cultura americana e do meio artístico e valoroso em sua honestidade. Independentemente de seu valor terapêutico para a autora ou de tomar para si os mesmos fatos autobiográficos que receberam tratamento tão diferente na obra de F.Scott Fitzgerald, é uma obra de valor independente das relações que possam ser estabelecidas a partir de si.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Nota: ♥♥♥</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
Gabshttp://www.blogger.com/profile/06756939366189003713noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-141550551443466033.post-77754787232099868092017-01-11T20:52:00.000-02:002017-01-11T20:57:02.078-02:00A trégua, Mario Benedetti<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-yQ-yOHrn8Uw/WHa2oK0Nu3I/AAAAAAAAQG8/GJ7KqG0iGtA56guVmuJHOVFSOmoUS0c8ACLcB/s1600/CYMERA_20170111_204834.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://4.bp.blogspot.com/-yQ-yOHrn8Uw/WHa2oK0Nu3I/AAAAAAAAQG8/GJ7KqG0iGtA56guVmuJHOVFSOmoUS0c8ACLcB/s640/CYMERA_20170111_204834.jpg" width="360" /></a></div>
<br />
Título: A trégua<br />
Autor: Mario Benedetti<br />
Tradutor: Joana Angelica D´Ávila Melo<br />
Edição: Coleção Folha. MEDIAfashion: São Paulo, 2012. 1 ed.<br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Mario Benedetti, um dos principais nomes da literatura uruguaia, é autor de ficção, poemas e ensaios. O romance <i>A trégua</i> teve sua primeira publicação em 1960 e, em 1974, recebeu adaptação cinematográfica indicada ao oscar de filme estrangeiro. Além de sua força presença como escritor, Benedetti participou ativamente da militância política de seu país, abandonando-o em oposição ao golpe de estado de 1973. </div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>A trégua tem como narrador Martín Santomé, que escreve em seu diário os acontecimentos em seu último ano de serviço antes da aposentadoria. Martín trabalha desde jovem na mesma empresa, onde exerce um cargo puramente burocrático que exige-lhe ao mesmo tempo atenção, mas oferece pouco ou nenhum estimulo intelectual. Sua apatia estende-se também ao trato com a família – é pai de três jovens adultos com quem vive, embora sinta-se distante deles. Sua mulher, Isabel, morreu ainda jovem ao dar a luz para o caçula da família e, desde então, Martín não travou outros relacionamentos românticos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Martín é, assim como seu emprego, essencialmente banal, embora imagine-se superior por ter consciência disso e certo desprezo pelos que o rodeiam. O que torna <i>A trégua</i> interessante é que, ao colocar-nos como confidentes de Martín, sua falta de senso crítico a respeito de si mesmo fica entre o cômico e o trágico, uma vez que o personagem julga-se bastante cínico e realista. Enquanto Martín julga o que considera “falta de caráter” nos outros, sua relação com seus filhos – em especial, o caçula Jaime – aparecem constantemente para lembrar-nos de suas falhas. É, no que tem de desprezível, extremamente humano na medida em que é incapaz de enxergar a si mesmo com clareza ao mesmo tempo que julga-se capaz de fazê-lo.</div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Se a angústia causada pelo prospecto de não possuir mais o trabalho mecânico e pouco estimulante como alívio para as tensões familiares mal-resolvidas é o que impulsiona os dias de Martín, uma disrupção à ordem surge na forma da jovem Avellaneda, uma das três funcionárias que o narrador deve treinar antes de aposentar-se. A princípio, sua atitude defensiva indica pouco conforto da jovem moça em sua posição na empresa cheia de homens. Aos poucos, no entanto, seus laços com Martín estreitam-se em um novo relacionamento amoroso que os permite exorcizar seus conflitos internos. </div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Benedetti constrói um universo pequeno e interconectado ao investir em personagens que espelham uns aos outros. Martín mantém relações com o sensato Aníbal, a quem deseja emular, e o rídiculo Vignale, cujas aventuras amorosas despertam somente desdém por sua falta de medida. Isabel mantém-se detentora do Martín do passado, enquanto Avellaneda e Blanca, sua filha, aproximam-se em seu desejo de compreendê-lo no presente. A revelação da homossexualidade de um dos funcionários da empresa ecoa, mais tarde, na relação de Martín com Jaime. Se Jaime rejeita o pai, Esteban busca sutilmente sua aprovação. As relações (na maior parte das vezes, frias) entre estes personagens enredam os pensamentos do narrador, cujo ídilio amoroso que promete refúgio é, pela segunda vez, interrompido bruscamente. </div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>A prosa de Benedetti é elegante e fluída sem trair seu narrador, um homem sem pretensões eruditas. Suas reflexões honestas são ora pungentes, ora cômicas e tingidas da amargura de quem assistiu sua vida escorrer sem sentir-se, de fato, envolvida nela. Um retrato do Uruguai não é, aqui, um objetivo central, mas ao retratar o homem médio uruguaio Benedetti permite-nos refletir também sobre a inevitável incoerência e hipocrisia humana que impede-nos de enxergar com clareza nossas próprias deficiências. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Nota: ❤❤❤❤</div>
Gabshttp://www.blogger.com/profile/06756939366189003713noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-141550551443466033.post-7695586680443433672016-10-10T19:58:00.001-03:002016-10-10T20:53:29.572-03:00Eu sou um gato, Natsume Soseki<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-AVepUEKvJvc/V_wciBjG2DI/AAAAAAAALeY/0vlT1M6dsS4fW8lakC0kR4jUvv1rWdXFwCLcB/s1600/CYMERA_20161007_162017.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://1.bp.blogspot.com/-AVepUEKvJvc/V_wciBjG2DI/AAAAAAAALeY/0vlT1M6dsS4fW8lakC0kR4jUvv1rWdXFwCLcB/s400/CYMERA_20161007_162017.jpg" width="225" /></a></div>
<div class="MsoNormal">
Título: Eu sou um gato<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Autor: Natsume Soseki<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Tradutor: Jefferson José Teixeira<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Edição: São Paulo: Estação Liberdade, 2008.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Eu sou um gato</i> é a obra de estreia do
modernista Natsume Soseki, professor de inglês por formação que, com o sucesso
da publicação em folhetins no ano de 1905 e posteriormente revisada e publicada
como livro, engata uma carreira literária prolífica. Escreveu também sobre
teoria literária, além de ser um astuto observador da classe intelectual
japonesa, alvo principal de sua narrativa de estreia. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Não
há nada de metáforico no título: o narrador da obra é, de fato, um gato sem
nome que dá sua superioridade aos seres humanos como um fato óbvio e pouco
preocupa-se com fornecer-nos explicações acerca de sua condição de gato <i>escritor</i>. Ao invés disso, durante os
onze capítulos que compõe sua obra, delicia-se em descrever, com minúcias, a
estupidez dos humanos que encontra – em especial, de seu amo, o preguiçoso
Kushami.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Kushami
funciona como uma espécie de alter-ego de Soseki, que tempera sua obra com
referências a autores da época com quem tinha amizade e com experiências suas
que aparecem transfiguradas na vida do professor Kushami. As notas de rodapé
incluídas na edição são essenciais para que a compreensão do jogo feito por
Soseki e a edição da Estação Liberdade supre as necessidades do leitor
ocidental pouco familiarizado com a Literatura japonesa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O
livro não deve, no entanto, assustar o leitor por pertencer a uma tradição com
que o público brasileiro tem pouca familiaridade. O compromisso com o
modernismo garante terreno comum suficiente para que a obra seja desfrutada sem
problemas e é fácil para o leitor admirar a prosa elegante e certeira de
Soseki, que debocha do discurso intelectual ao colocá-lo como fruto do
intelecto de um gato com tendências filosóficas cujo objeto de estudo são experiências
prosaicas. A ironia também é recurso constante e bem empregado, uma vez que
Kushami e seu círculo de amizades é retratado como patético constantemente pelo
narrador felino.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Kushami
é professor de inglês em uma escola para meninos e, apesar de dedicar-se pouco
ao seu cargo, ser visto com estranheza por seus colegas e ridicularizado por
seus alunos, enxerga-se como um intelectual. Constantemente embarca em
tentativas frustradas de produzir arte, seja escrita ou pintura, apenas para
alcançar resultados medíocres. É casado, possui três filhas e vive de aluguel
em uma casa mal-cuidada. Seu amigo mais próximo é o esteta Meitei. Enquanto
Kushami leva a si mesmo a sério, Meitei é o oposto: bonachão e mentiroso, suas
histórias são sempre absurdas e exageradas. Há, ainda, Kangetsu, jovem
discipulo dos dois que ensaia seguir o mesmo caminho, porém ao invés de
dedicar-se às artes, dedica-se ao estudo de questões inúteis da física – que,
proclama, é o futuro da intelectualidade. Um dos acontecimentos que amarram a
narrativa envolve seu potencial casamento com a filha do próspero comerciante
Kaneda, cuja inescrupulosidade típica dos comerciantes irrita profundamente ao inerte
professor. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Outro
fio que percorre toda a obra é a reflexão acerca da tensão entre o modo de vida
ocidental e oriental, fruto da abertura do Japão durante a era Meiji e também
sentida profundamente pelo autor em sua experiência estudando na Inglaterra. A
valorização da individualidade como expressão máxima típica da cultura
ocidental em muito difere da valorização da comunidade e na busca de um “eu”
sem artíficios como refúgio do oriente: em certo ponto, Soseki ilustra a
questão afirmando que, frente a uma situação desconfortável, a cultura ocidental
manda que busquemos mudá-la, enquanto a oriental manda que mudemos a nós mesmos
para que essa situação deixe de nos incomodar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
Há,
no entanto, qualquer ranço de resistência que é simples fruto da diferença
geracional que o próprio autor parece ter consciência especialmente fácil de
perceber no tratamento das personagens femininos. A elas fica delegado o mundo
das decisões práticas – uma vez que, na cultura japonesa, a economia do lar é
responsabilidade das mulheres – e se são vistas com certo desprezo, retornam o
favor na mesma moeda. Enquanto os personagens insinuam uma culpa ocidental para
as mudanças de temperamento e maior liberdade das mulheres, a total inoperância
masculina exposta no romance sugere uma necessidade de ordem muito mais
próxima, até porque os conhecimentos das mulheres acerca da cultura ocidental é
limitado pela educação recebida nas escolas femininas.</div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="text-align: justify;"> O
ritmo da obra só é prejudicado por, em alguns momentos, estender-se demais em
digressões do narradoe. Estas, no geral, funcionam melhor quando inseridas em
um contexto de ação e observação direta. O trabalho de tradução, revisão e
pesquisa feitos pela Estação Liberdade é louvável e garante que a leitura flua
até mesmo para quem tem pouca familiaridade com a cultura japonesa. </span><i style="text-align: justify;">Eu sou um gato</i><span style="text-align: justify;"> é um romance
interessante, que experimenta, mas também que preocupa-se em manter uma prosa
instigante em seu olhar curioso acerca das trivialidades que fazem a vida
cotidiana, transformando-a numa expressão interessante do modernismo japonês.</span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nota: ❤❤❤❤<o:p></o:p></div>
Gabshttp://www.blogger.com/profile/06756939366189003713noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-141550551443466033.post-24162805715559426472016-09-19T21:53:00.001-03:002016-09-19T21:57:23.920-03:00Quarenta Dias, Maria Valéria Rezende<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://2.bp.blogspot.com/-IkV6WXUCcEk/V-CG0VkvHrI/AAAAAAAALdY/eX4SYQAjnIUGLoCPTwlbMpg_o31gFuG9gCLcB/s1600/CYMERA_20160919_160203.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://2.bp.blogspot.com/-IkV6WXUCcEk/V-CG0VkvHrI/AAAAAAAALdY/eX4SYQAjnIUGLoCPTwlbMpg_o31gFuG9gCLcB/s400/CYMERA_20160919_160203.jpg" width="225" /></a></div>
Título: Quarenta Dias<br />
Autor: Maria Valéria Rezende<br />
Edição: Editora Alfaguara, 2014.<br />
<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Maria
Valéria Rezende é escritora paulista natural de Santos e também faz parte da Congregação
de Nossa Senhora, Cônegas de Santo Agostinho. Apoiou a luta contra a ditadura
militar e dedicou-se ativamente, durante muitos anos de viagem pelo país, à
educação popular e, por fim, escolheu Pernambuco como lar. Escreve tanto para
crianças quanto para o público adulto, e suas obras já foram premiadas pelo
prêmio Jabuti nas duas categorias. <i>Quarenta
dias</i> foi premiado na categoria romance e livro do ano em 2015.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O
romance, escrito na forma de diário, acompanha Alice. Professora de francês aposentada,
Alice leva uma vida relativamente independente na cidade de João Pessoa, até
que uma visita de sua filha muda tudo. Decidida a ter um filho, Norinha, que
mora em Porto Alegre, organiza a mudança de sua mãe sem levar em conta sua
rejeição à ideia, pois precisa de sua ajuda para manter sua carreira como
professora universitária.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As
tentativas de resistência de Alice são fúteis e logo ela se encontra no moderno
apartamento montado por sua filha, com uma organização que lhe é estranha e
seus objetos pessoais fora de seu domínio. Em meio a nova rotina, uma conhecida
pede informações sobre um jovem pernambucano que mudou-se para POA e não deu
mais notícias. Alice decide partir em busca de informações na cidade que pouco
conhece.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sua
aventura começa despretensiosamente, mas logo percebemos que, mais do que
procurar o jovem, a protagonista deseja fugir da situação em que está e poder
ser livremente: entra em bairros pobres, em favelas cheias de nordestinos como
ela, conta com a caridade dos outros, dorme na rua, conhece os meandros da vida
dos sem lar e, durante quarenta dias, na companhia de edições baratas de
clássicos e de um caderno com capa da Barbie, sua interlocutora, Alice tenta
por meio de sua narrativa lidar com o estranhamento que sente em relação à
própria filha usando o desespero de outra mãe como justificativa. <o:p></o:p></div>
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"> Maria Valéria Rezende usa bem os
recursos que escolhe, dosando quando usar a complicada “reprodução” de diálogo
que por vezes destrói o efeito de narrativas em primeira pessoa do tipo e
alcançando um resultado bastante convincente. A voz de Alice é clara e
representa bem sua posição social de mulher estudada e o tom despretensioso da
narradora vai aflorando para revelar seus conflitos internos. A intensa viagem
de Alice aos confins de Porto Alegre a aproxima de suas origens e revelam com
sensibilidade tocante a solidariedade entre aqueles cuja existência é uma
constante batalha.</span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span>
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Nota: ♥♥♥♥</span>Gabshttp://www.blogger.com/profile/06756939366189003713noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-141550551443466033.post-51002871443578621292016-08-15T00:02:00.000-03:002016-08-15T00:02:25.293-03:00Anatomia do Paraíso, Beatriz Bracher<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-HXIpGEFIyKQ/V7EwN1V_FSI/AAAAAAAALcw/vwrGu7BUovo_FK1wIiRU_7TsRRXVYM27ACLcB/s1600/CYMERA_20160814_232538.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://4.bp.blogspot.com/-HXIpGEFIyKQ/V7EwN1V_FSI/AAAAAAAALcw/vwrGu7BUovo_FK1wIiRU_7TsRRXVYM27ACLcB/s640/CYMERA_20160814_232538.jpg" width="360" /></a></div>
<div class="MsoNormal">
Anatomia do Paraíso, Beatriz Bracher<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Título: Anatomia do Paraíso<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Autor: Beatriz Bracher<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Edição: São Paulo: Editora 34, 2015.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Título
mais recente da autora paulistana Beatriz Bracher, <i>Anatomia do Paraíso</i> recebeu recentemente o Prêmio Rio de
Literatura. A carreira da autora é impressionante e versátil: além de romances
e contos, assina também roteiros de filmes e é uma das fundadoras da Editora
34, responsável pela publicação de seus romances. Além de seu título mais
recente, seu livro <i>Antônio</i> chamou
atenção da crítica<i> </i>e foi premiado em
terceiro lugar com um Jabuti. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Anatomia do Paraíso</i> divide seu foco
narrativo entre dois personagens centrais, cuja oposição em que se encontram é
o alicerce do enredo e também o que permite o desenrolar da tensão que carrega
o romance: Félix é sustentado pelo pai e está escrevendo sua tese sobre o <i>Paraíso Perdido</i> de Milton, obra com a
qual é obcecado desde o colegial; Vanda, sua vizinha, trabalha no IML, é
responsável pela irmã mais nova e está estudando para o vestibular de medicina.
Os dois moram no Rio de Janeiro, em um conjunto de apartamentos pequenos,
estilo <i>kitnet,</i> do qual podem observar
a favela e sua infinidade de janelas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Félix
conhece o poema de Milton profundamente e seus mistérios o atormentam – estuda
extensivamente o original e a tradução, assim como também é intrigado com a
cegueira de seu autor, que supostamente teria ditado a obra para sua filha.
Sofre de epilepsia, mantém relacionamentos sexuais com várias mulheres e com
seu “amigo” soldado, possui uma relação tortuosa com o pai e é perseguido por
uma forte sensação de alienação. É um personagem que exorcisa uma figura que
nossa sociedade tem confrontado constantemente sem saber solucionar: o
intelectual abjeto, ao mesmo tempo inteligente e capaz de insights, mas a quem
falta humanidade, decência e limites – o mesmo objeto de estudo de obras como <i>Lolita </i>ou da especulação midíatica que
cerca pessoas como Woody Allen e Roman Polanski<i>.</i> É próximo de Vanda, mas ao mesmo tempo sente-se afastado de sua
energia prática, tão oposta ao seu temperamento difícil. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Vanda
vem de uma família simples, valoriza os estudos – maneira pela qual conseguiu
sua atual posição – mas também é uma pessoa ligada ao corpo em um sentido bem
físico: além de seu emprego preparando cadáveres após a autopsia, trabalha em
uma academia como professora e há diversas cenas em que a vemos estudando os
aspectos biológicos e anatômicos do corpo humano. Ela é uma mulher prática,
ética e que se esforça para cuidar de sua meia-irmã mais nova, Maria Joana, uma
pré-adolescente que não recebeu muitos cuidados ou amor antes de mudar-se com
Vanda.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A
figura de Félix permite-nos diversas reflexões ao longo do livro: desde sua
obsessão pelas traduções do <i>Paraíso
Perdido</i> que, ironicamente, tornam <i>Anatomia
do Paraíso</i> praticamente impossível de traduzir – talvez seja possível para
outras línguas latinas, mas para as germânicas e em especial o inglês, não –
até sua queda moral, charfundando no que há de mais abjeto do ser humano em
paralelo ao trajeto da queda de Satã e da perversão do paraíso original. Félix
é uma figura que afasta o leitor e causa-lhe repulsa extrema em alguns momentos.
Já a figura de Vanda permite-nos a conciliação com a obra ao norteá-la
positivamente com sua capacidade de enxergar e respeitar o outro. No entanto,
resumi-los à bons ou maus personagens é um empobrecimento que <i>Anatomia do Paraíso</i> não permite: ambos
são complexos e ambíguos, desconcertantemente consciêntes de suas próprias
falhas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A
violência sexual é um tema tão presente na obra quanto a reflexão metalinguística
e, de certa forma, aproximados na medida em que ambos são trabalhados como um
problema enraizado na comunicação. É muito comum que autores esquivem-se de
realmente trabalhar essa questão além de cenas construídas para chocar de forma
barata o leitor ou como uma justificativa clichê para explicar os desvios da
norma dos personagens. O confronto entre Félix e Vanda, no entanto, explora
satisfatoriamente o tema em toda sua profundidade. Ao mesmo tempo, seu desfecho
não é um desfecho solucionador e a autora acerta a mão ao assim fazê-lo,
fugindo de sentimentalismos pouco convincentes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Satisfatório</i> – em seu sentido pleno e
não como sinônimo de mediano - é um termo adequado para um romance que trabalha
brilhantemente as tensões que constrói internamente sem esquivar-se delas no
final. Como um poema, como o <i>Paraíso
Perdido</i>, a autora dirige magistralmente a intensidade do romance,
reconhecendo o momento certo de deixar as forças criadas correrem livres para
depois serem novamene domadas. Satisfaz-nos mesmo com seu final que, com dois
nascimentos marcantes para seus personagens, fica longe de sugerir uma redenção
total.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A
prosa de Bracher tem um fluxo fluído e firme, e impressiona com uma estrutura
eficiente que permite inclusive respiros de experimentação: o raro uso da
segunda pessoa do singular (para o bom brasileiro, “você”), pequenos trechos de
fluxo de consciência em momentos chave de tensão psicológica na narrativa e uma
erudição impressionante que enriquece o texto ao estabelecer diálogo com outras
obras (e que podem ser encontradas em um excelente índice remissivo que entrega
a experiência de editora de sua autora). A palavra certa no lugar certo,
obsessão de Félix, parece ser compartilhada por sua criadora. <o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Anatomia do Paraíso </i>é uma realização
impressionante de uma autora madura e com uma visão clara a realizar e, talvez,
uma das mais impressionantes da nossa literatura nos últimos anos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nota: ❤❤❤❤❤</div>
Gabshttp://www.blogger.com/profile/06756939366189003713noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-141550551443466033.post-81459346201803702832016-07-19T19:58:00.001-03:002016-07-19T20:02:48.623-03:00Poética, Ana Cristina Cesar<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-hjrbRg7sBKg/V46wKChfCDI/AAAAAAAALbY/YbotEEVme1QCcfdJKA1aH3sTDVuFpUkiACLcB/s1600/CYMERA_20160708_165544.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://1.bp.blogspot.com/-hjrbRg7sBKg/V46wKChfCDI/AAAAAAAALbY/YbotEEVme1QCcfdJKA1aH3sTDVuFpUkiACLcB/s400/CYMERA_20160708_165544.jpg" width="253" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Título: Poética<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Autor:
Ana Cristina Cesar<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Edição:
São Paulo: Companhia das Letras, 2013. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A
companhia das letras lançou em 2013 <i>Poética,
</i>volume único reunindo os escritos de Ana Cristina Cesar e com curadoria de
seu amigo e também poeta Armando Freitas Filho. Aqui encontramos os livros
publicados em vida pela autora: <i>Cenas de
abril</i>, <i>Correspondência completa</i>, <i>Luvas de pelica</i> e <i>A teus pés:prosa/poesia</i>, além dos póstumos <i>Inéditos e dispersos</i>,<i> Antigos
e soltos</i> e <i>Visita à oficina</i>. O
livro conta ainda com apresentação, posfácio e apêndice escrito por nomes de
peso como Viviana Bosi e Heloisa Buarque de Hollanda. É recomendado para o
leitor que desconhece a obra da poeta um passeio pelos esclarecedores textos
teóricos, que pintam uma viva imagem de sua autora e trazem oportunas reflexões
sobre seu projeto poético, antes de mergulhar na leitura dos poemas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A
obra de Ana C é marcada por dois aspectos aparentemente opostos, mas que aqui
se complementam: um gosto pelo diálogo com o leitor e pelas marcas de uma
linguagem atual, fresca, focada no plano semântico e uma profunda erudição em
suas referências e procedimentos – ao mesmo tempo que nos sugere uma produção
“in loco”, a leitura atenta nos faz perceber o artifício por trás desse efeito.
No universo de Ana Cristina Cesar é clara a influência do método de T.S.Eliot
em <i>The Wasteland</i>, com sua captura de
vozes cotidianas intercortadas, há fortes ecos do projeto poético de Fernando
Pessoa e da obra de poetas como Walt Whitman e Manuel Bandeira. Tudo isso é
feito de forma relativamente explícita, assim como o jogo de interlocuções que
constantemente convida o leitor para dentro da poesia para, logo em seguida,
atordoá-lo com seus cortes bruscos e suas ironias.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A predileção pelo tom confessional intenso e o
flerte com a prosa que surge em seu trabalho com os gêneros textuais diário e
carta sugerem uma relação fascinante com a expectativa que existe em torno da
“escrita feminina”, sempre subvertida pela autora de forma irônica. Sua poesia
trabalha os relacionamentos, o corpo, as questões existências, o movimento da
viagem e o movimento do autor para o leitor sem ser indulgente ou pretensiosa.<o:p></o:p></div>
<span style="text-align: justify;"> Seu
enquadramento na geração marginal dos anos 70 deveu-se, em grande parte, a sua
estréia na coletânea </span><i style="text-align: justify;">26 poetas hoje</i><span style="text-align: justify;">
organizada por Heloisa Buarque de Hollanda, embora possa ser contestada na sua
recusa à certos métodos da época como o uso do poema-minuto e sua vocação
acadêmica; categorizações à parte, é indiscutível o impacto do legado de Ana
Cristina Cesar na poesia brasileira – celebrado, esse ano, pela FLIP.</span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
Gabshttp://www.blogger.com/profile/06756939366189003713noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-141550551443466033.post-32802842409639267082016-07-13T15:46:00.000-03:002016-07-13T15:49:15.756-03:00A vegetariana, Han Kang<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-ViCkGotUpXU/V4aL8PxhgUI/AAAAAAAALaw/xa6zuWJ0Ofk-VeLM6zBxm0ATzU22El98QCLcB/s1600/CYMERA_20160708_165643.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://4.bp.blogspot.com/-ViCkGotUpXU/V4aL8PxhgUI/AAAAAAAALaw/xa6zuWJ0Ofk-VeLM6zBxm0ATzU22El98QCLcB/s400/CYMERA_20160708_165643.jpg" width="247" /></a></div>
<div class="MsoNormal">
Título: A vegetariana<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Autora: Han Kang<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Tradução: Yun Jung Im<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Edição: São Paulo: Devir, 2013.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Han
Kang é uma escritora sul-coreana bastante premiada em seu país natal e com uma
considerável lista de obras publicados. <i>A
vegetariana</i>, em seu formato romance-novelas, é o título responsável por,
finalmente, chamar atenção do público ocidental, rendendo-lhe inclusive um <i>Man Booker International Prize </i>este ano.
A autora representa uma geração de escritores coreanos menos preocupados com as
chamadas “questões nacionais” fortemente presentes no país de independência
consideravelmente recente, mas história antiga. No entanto, é ainda marcada
pela inescapável reflexão que muito progresso em pouco tempo ocasiona, só que
pelo viés do cotidiano e das pressões sociais, provavelmente o motivo pelo qual
torna-se também mais acessível ao público estrangeiro. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>A vegetariana</i> demonstra magistralmente
em suas três novelas como pequenas rebeliões podem impulsionar a completa ostracização
do indíviduo que perturba, ainda que minimamente, a ordem e leva o descompasso
entre o indivíduo e a vida em grupo até as últimas consequências.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O
livro divide-se em três novelas que funcionam independentemente, mas também
estão interligadas e estabelecem certa sequência de eventos – que é afrouxada
pelas informações sobre o passado das personagens espalhadas ao longo das três
de forma bastante inteligente. A personagem central aqui é Yeong-hye e seu
núcleo familiar e cada novela possui um narrador diferente dentro desse
círculo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A
primeira novela leva o mesmo nome que o livro e é narrada pelo marido de
Yeong-hye. Ele apresenta-nos sua esposa (a quem jamais refere-se pelo nome)
como uma mulher comum, sem uma beleza ou inteligência excepcional e que jamais
despertou-lhe emoções intensas. Pelo contrário, vê nessa banalidade do
relacionamento dos dois sua maior qualidade: a mulher é alguém que limpa a
casa, faz sua comida e com quem pode manter relações sexuais sem ter que pensar
muito sobre essas coisas. A única reclamação que tem é o hábito da esposa de
não usar sutiã. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Um
dia, sua esposa decide parar de comer carne após ter um sonho – e as descrições
desse sonho são um dos únicos vislumbres que temos da sua interioridade – e
parar de prepará-la também. Em um primeiro momento, ele acredita ser algo
passageiro, mas conforme sua esposa mantém firme a resolução, o casamento dos
dois começa a desmoronar. O conflito culmina em um almoço em família, em que os
pais de Yeong-hye tentam intervir, mas acabam levando-a a uma tentativa de
suicídio e subsequente internação.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A
segunda novela chama-se “A mancha mongólica” e é narrada pelo cunhado de
Yeong-hye, um artista audiovisual que vive efetivamente sustentado pela esposa,
com quem tem um filho pequeno. Ele é
quem leva a desacordada Yeong-hye ao hospital e começa a nutir uma obsessão por
ela ao descobrir que, assim como seu filho, ela possui uma mancha mongólica
esverdeada, mas na nádega. Essa mancha desencadeia uma visão artística cuja
força o impele a arriscar seu casamento para vê-la concretizada em um
controverso trabalho.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Por
fim, “Árvores-flamas” traz a visão da irmã mais velha de Yeong-hye, sua
sensação de culpa por ter superado as dificuldades da infância e por ter
falhado em proteger a irmã dos homens em sua vida – o pai, o marido de
Yeong-hye e o seu próprio marido. A proximidade que o laço entre as duas cria
faz com que ela seja a única a perceber a fragilidade da irmã e também com que,
ao acompanhar sua loucura, sinta intensamente quão próxima está de perder-se -
seu filho é a âncora que a prende ainda na realidade, um tipo de relação que
Yeong-hye desconhece.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Yeong-hye
não torna-se simplesmente vegetariana como uma decisão política e consciente,
mas sim cai irresistivelmente em um processo de lenta metamorfose kafkiana,
deixando o mundo dos seres vivos para, dolorosamente, fazer parte do mundo
vegetal. A prosa belíssima de Han Kang adapta-se aos seus narradores de maneira
brilhante - a aridez da primeira novela,
contaminada pela total falta de sensibilidade e imaginação de seu narrador, a
idealização exagerada da figura de Yeong-hye na segunda, dessa vez contamidade
pelo excesso de sensiblidade e imaginação de quem narra e, por fim, o relato
amoroso e sofrido da irmã e mulher na terceira juntam-se para humanizar a
protagonista do romance e fazer-nos sentir a agonia da sua impossibilidade de
comunicação – ela é uma figura que em mãos menos talentosas poderia ser caricata,
mas que aqui é uma vítima dos papéis que lhe são impostos, cujo sofrimento
pungente comove na sua recusa de exercer qualquer tipo de papel predatório. A
tradução dá conta do recado, trazendo informações importantes sobre alguns
pronomes de tratamento e até mesmo culinária da Coréia, porém a diagramação e
tratamento do texto deixam a desejar. De qualquer forma, <i>A vegetariana</i> é uma obra marcante, belíssima e que merece o reconhecimeto
que tem angariado recentemente.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nota: ❤❤❤❤❤<o:p></o:p></div>
Gabshttp://www.blogger.com/profile/06756939366189003713noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-141550551443466033.post-59969607596802016282016-07-07T20:49:00.002-03:002016-07-13T15:47:08.160-03:00A amiga genial, Elena Ferrante<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-wC2qlayhgOc/V37pMl140RI/AAAAAAAALag/sd9dts9miV0RZa-E9ZR_NonWH5MqfJM6ACLcB/s1600/DSC_4365.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://1.bp.blogspot.com/-wC2qlayhgOc/V37pMl140RI/AAAAAAAALag/sd9dts9miV0RZa-E9ZR_NonWH5MqfJM6ACLcB/s400/DSC_4365.jpg" width="225" /></a></div>
Título: A amiga genial<br />
Autora: Elena Ferrante<br />
<div class="MsoNormal">
Tradução: Maurício Santana Dias<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Edição: São Paulo: Biblioteca azul, 2015.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Primeiro
livro de uma série de quatro romances, <i>A
Amiga Genial</i> foi escrito pela italiana Elena Ferrante. Reclusa, Ferrante
recusa-se a dar entrevistas que não sejam escritas e sua foto não consta na
orelha do livro. Ela acredita que é benéfico um certo anonimato do autor para
que a obra seja apreciada, embora essa escolha peculiar tenha, inadvertidamente
ou não, chamado atenção do público. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
De
qualquer forma, a escolha da autora faz sentido quando olhamos para o ponto de
partida da narrativa: Lenu é informada do desaparecimento de sua amiga de
infância, Lila. As circunstâncias são ainda mais curiosas: Lila deliberadamente
apagou todos os traços de sua existência da casa que deixou para trás – roupas,
fotos, bens em geral. Lenu intui que o objetivo da amiga é deixar essa
existência para trás e por isso decide documentá-la com o máximo de detalhes possíveis
por meio da escrita.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nossa
narradora rememora a infância das duas meninas em um bairro suburbano da
Napóles dos anos 50, um período marcado pelo pós-guerra. Ambas são de famílias
de poucos recursos, embora a condição de Lenu seja um pouco melhor tanto
financeiramente quanto à estrutura familiar – uma vantagem que não é tão nítida
assim em um ambiente hostil, competitivo, marcado pelo domínio violento da
mafia e por uma rígida estrutura patriarcal. As meninas crescem juntas,
inseparáveis tanto nas brincadeiras quanto na escola. Lila começa a chamar
atenção por sua inteligência, o que desperta o desejo de Lenu de também ser
admirada, que é uma criança mais bonita e comportada do que a amiga.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Assim,
ambas começam uma silenciosa competição que compreende desde as notas escolares
até ficar frente a frente com um homem temido pelas crianças do bairro. Lenu
admira e inveja a espontaneidade de Lila, ao mesmo tempo que vê-se como seu
oposto, sempre tendo que fazer um esforço para alcançá-la. As diferenças vão
tornando-se ainda mais evidentes com a chegada da adolescência.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Lila
é impedida de seguir com os estudos e Lenu, com muito custo e graças à
intervenção de sua professora, consegue seguir adiante para o ginasial. A puberdade chega e com ela, Lenu vê sua
aparência mudar rápida e intensamente – ganha peso, acne, passa a precisar de
óculos. Enquanto isso, Lila deixa de ser a menina magrela e sua aura
assustadora torna-se um ar misterioso, chamando atenção de todos os meninos do
bairro. Lila tenta ainda acompanhar os estudos da amiga pela biblioteca, fato
descoberto por Lenu acidentalmente, mas eventualmente desiste e entrega-se à
sua realidade. Essa entrega tem, porém, um único objetivo: superá-la de
qualquer forma. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A
narrativa é feita de capítulos curtos, movida pela ação constante e cheia de
reviravoltas que só dão certo graças ao cenário intenso escolhido pela autora.
Napóles e suas tensões constantemente nos lembra dos perigos que Lenu e Lila
enfrentam simplesmente por serem meninas e jovens em um mundo extremamente
violento e opressor. Se o mundo exterior é perigoso, o interior é um refúgio
duvidoso: Lenu é aterrorizada pela própria insegurança, pelo medo de falhar em
suas ambições acadêmicas, pela possibilidade de passar vergonha frente aos
outros; enquanto isso, Lila tem que lidar com uma família sem perspectivas, um
irmão e um pai explosivos e atenção indesejada de rapazes perigosos do bairro.
Apesar de parecer forte, confessa passar por episódios do que chama de “desmarginação”.
Durante esses momentos, ela passa por algo próximo de uma dissociação e a realidade
parece-lhe distante e repulsiva. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O
relacionamento de Lila e Lenu é o coração de <i>A amiga genial</i>. Elas tem uma a outra como medida e alimentam por
meio deste relacionamento o desejo de se desafiar e ascender. Mesmo nos
momentos de crise ou de afastamento, o retorno parece inevitável. Não é uma
amizade saudável, mas Lila e Lenu não têm modelos de relacionamentos saudáveis
para seguir, então tentam forjar um meio de fazer com que suas vidas sigam
paralelamente – é particularmente pungente a cena em que Lenu prepara Lila para
sua noite de núpcias, triste de sabê-la prestes a ser “emporcalhada”. Há um
desejo de união como a união da infância – pura, inocente – mas uma
impossibilidade de trabalhá-la de outra forma ou comunicar por palavras. Resta para as meninas apenas o gesto e a obsessão de ecoar uma à outra, que
conduzem a narrativa de Ferrante comoventemente, cativando o leitor. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nota:❤❤❤❤</div>
<span style="text-align: justify;"> </span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
Gabshttp://www.blogger.com/profile/06756939366189003713noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-141550551443466033.post-25948152541909579752016-04-26T20:44:00.002-03:002016-04-26T20:44:41.980-03:00Norte e Sul, Elizabeth Gaskell<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-CCH5YJBuDMs/Vx_8wOsUXWI/AAAAAAAALZY/ALQxeq5CRsQemiSidDfItZQ9JJ-Y6YfzQCLcB/s1600/2016-04-26%2B05.14.49%2B1.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://1.bp.blogspot.com/-CCH5YJBuDMs/Vx_8wOsUXWI/AAAAAAAALZY/ALQxeq5CRsQemiSidDfItZQ9JJ-Y6YfzQCLcB/s400/2016-04-26%2B05.14.49%2B1.jpg" width="225" /></a></div>
Título: Norte e Sul<br />
Autor: Elizabeth Gaskell<br />
Tradução: Carlos Duarte e Anna Duarte<br />
Edição: São Paulo: Martin Claret, 2015.<br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Norte
e Sul surgiu como um folhetim em 1845, na Household Words, revista cujo editor era
Charles Dickens e, em 1855, foi revisto e publicado em sua forma final.
Elizabeth Gaskell é um nome indiscutivelmente relevante da literatura da Era Vitoriana
e em seu romance há uma clara preocupação com entender as relações sociais de
forma a solucionar seus conflitos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Margaret
Hale é uma jovem de família com certo <i>status</i>
social e viveu boa parte de sua infância e adolescência em Londres, com uma tia
rica. Apesar disso, sua família possui meios mais limitados uma vez que o
casamento de sua mãe com um paróco foi financeiramente desvantajoso e motivado
pela afeição genuína. Ao retornar para o interior, descobre que o ídilio
bucólico com o qual fantasiava tanto, Helstone, logo será abandonado: a fé de
seu pai oscila e ele decide abandonar seu cargo como pastor. A única
alternativa para a família é mudar-se para o poluído e industrial Norte, mais
especificamente a fícticia cidade de Milton. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Lá,
Margaret vê seus recursos financeiros escassos e seu círculo social
extremamente limitado. Motivada por suas obrigações filiais, Margaret busca
apaziguar o gênio difícil da sua mãe e ser compreensiva com seu pai, apesar de
sentir dificuldades em aceitar seus questionamentos religiosos. Ele trabalha
agora como professor e logo trava uma amizade com Mr. Thorton, industrial da
área que deseja retomar os estudos dos clássicos abandonados devido às demandas
do trabalho. Thorton é bem sucedido, obstinado e perspicaz e logo passa a
frequentar a residência dos Hale. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Apesar
de perspicaz, Thorton não parece ser o suficiente para entender que suas constantes
discussões com a filha de seu professor não são mero flerte e que o interesse
de Margaret não é alimentado pelas visões de mundo contrastantes que os leva a
discutir. A principal tese do romance, expressa pela sua personagem central, é
a crença na conciliação entre a classe trabalhadora e os detentores dos meios
de produção por meio da atitude cristã de olhar pelo outro e tratá-lo com
dignidade, reconhecendo a situação de dependência em que ambos se encontram,
enquanto Thorton considera absurdo prestar conta de seus planos e visões com
qualquer pessoa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Enquanto
uma greve dos trabalhadores ocorre em Milton, a doença de Mrs Hale aflige a
família de Margaret. Tanto Thorton quanto Margaret acabam tornando-se um para o
outro uma fonte de apoio quando menos esperam, embora um episódio em que o
injustiçado irmão de Margaret visita escondido a família para despedir-se da
mãe – certamente um lembrete de Gaskell de que as autoridades não são inquestionáveis
– e a lembrança da primeira rejeição torturam os sentimentos de Thorton, mas
também cimentam o relacionamento. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Margaret
é uma mocinha sofredora, como manda o figurino. É também de inteligência viva e
princípios que despertam o respeito de todos à volta, o que impede que o romance
caía no marasmo mesmo quando as reviravoltas são manipulativas, uma vez que o
foco da narrativa em terceira pessoa está principalmente em seus pensamentos e
sentimentos. A análise social proposta pelo romance é limitada, no entanto,
pela insistência na solução religiosa – embora a figura de Mr. Hale e seus
conflitos insinue uma redenção dessa falha, o destino para o qual ele encaminha
sua família deixa clara a lição de moral planejada pela autora. <o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Um
típico romance social da Era Vitoriana, <i>Norte
e Sul</i> garantiu, indiscutivelmente, o lugar de sua autora na História da
Literatura britância e vale a leitura para quem busca conhecê-la.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nota: ❤❤❤<o:p></o:p></div>
Gabshttp://www.blogger.com/profile/06756939366189003713noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-141550551443466033.post-10946902125933979812016-04-01T21:01:00.002-03:002016-04-01T21:01:17.236-03:00Minha vida de menina, Helena Morley<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-nSjVogwPgSE/Vv8KpvNG5MI/AAAAAAAALYM/so_r_jXhLBYOPWECF47ncav467KMoyl7Q/s1600/2016-04-01%2B08.48.36%2B1.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://4.bp.blogspot.com/-nSjVogwPgSE/Vv8KpvNG5MI/AAAAAAAALYM/so_r_jXhLBYOPWECF47ncav467KMoyl7Q/s400/2016-04-01%2B08.48.36%2B1.jpg" width="225" /></a></div>
Título: Minha Vida de Menina<br />
Autor: Helena Morley<br />
Edição: São Paulo, Companhia das Letras, 1998<br />
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Minha vida de menina</i> é o único livro de
Helena Morley, pseudônimo de Alice Dayrell Caldeira Brant, o que só aumenta o
fascínio em torno dele. Trata-se de uma coletânea de entradas do diário que a
autora manteve, incentivada pelo pai, durante a sua meninice na Diamantina de
1893 até 1895 e que foram posteriormente organizadas para a publicação pela
primeira vez em 1942. A obra é considerada uma pitoresca representação da vida
do interior mineiro e sua prosa despojada parece adiantar a proposta
modernista, o que fez com que alguns críticos considerarem uma revisão
posterior por parte da autora. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Helena
narra uma vida simples com seus pais, irmão e irmã em uma casa no campo,
próxima também da propriedade de sua abastada avó que a tem como neta favorita.
Apesar disso, as condições da família são bastante precárias, uma vez que seu
pai trabalha com mineração e os rendimentos oscilam de acordo com sua sorte. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Não
há tanto espaço assim para sofrimentos na mente ativa de Helena e ela é uma
figura carismática para o leitor tanto quanto para seus familiares – é
inteligente e vivaz, afeita ao trabalho que a mantenha ocupada, em especial o
físico e de uma sinceridade cômica e mal contida. Apesar das restrições da época,
Helena é incentivada por sua família a seguir pensando independentemente e é
admirada por todos por sua inteligência. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As
memórias aqui retratadas permitem uma visão interessante das relações sociais
em um país em que o fim do regime escravocata era recente e em que a corrida do
ouro perdia o gás. As relações de dependência entre as classes sociais, as
superstições locais, as relações familiares ameaçadas pelos conflitos
ocasionados pelo dinheiro e pela competitividade e o espírito não-conformista
de Helena fazem com que as entradas tenham um tom de lição, encerradas sempre
por meio de uma observação afiada, questionando a ordem das coisas. Ao longo do
livro, acompanhamos a vida da protagonista e seu desenvolvimento, o que o aproximando também de um romance de
formação, apesar de ser um diário. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ainda
sobre a obra, Roberto Schwarz escreveu o brilhante ensaio “Outra Capitu” em que
analisa como o caráter progresssista das relações sociais descritas na obra –
preconceitos, superstição e costumes são alvo da análise implacável de Helena –
deve-se, principalmente, ao momento ecônomico do país que incentivou um
afrouxamento na centralização do poder patriarcal, além da influência
protestante exercida pelo lado inglês da família Morley. Schwarz aponta as
semelhanças entre as origens de Helena e Capitu em um ensaio que vale a leitura
para os interessados nas representações literárias deste período histórico do
Brasil. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A
prosa episódica, objetiva e sem rodeios é cativante e consegue manter a atenção
do leitor – o suficiente para, também, dispertar a interessante discussão sobre
o quanto dela é produto da espontaniedade infantil e quanto é artifício. Ao mesmo
tempo, é uma leitura que atinge um amplo público, com potencial para agradar
aos mais novos também. A escrita de Helena Morley consegue retratar de maneira
colorida um período intenso pelo qual as meninas passam, coincidindo aqui com
um período intenso de nosso país. Com sua entrada na lista de livros obrigatórios
da FUVEST, podemos contar com seu retorno às livrarias. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nota: ❤❤❤❤</div>
Gabshttp://www.blogger.com/profile/06756939366189003713noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-141550551443466033.post-50669899804898241892016-02-23T19:47:00.000-03:002016-02-23T19:50:43.294-03:00O coração é um caçador solitário, Carson McCullers<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://3.bp.blogspot.com/-qv4I4K-eVCs/Vszf5sVNYJI/AAAAAAAALTc/Vf_xNF8QY3k/s1600/2016-02-23%2B01.21.52%2B1.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://3.bp.blogspot.com/-qv4I4K-eVCs/Vszf5sVNYJI/AAAAAAAALTc/Vf_xNF8QY3k/s400/2016-02-23%2B01.21.52%2B1.jpg" width="225" /></a></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Título original: The heart is a lonely hunter<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Tradução: Sonia Moreira<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;">Edição: Companhia das Letras, 2007.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"> <i>O coração é um caçador solitário </i>é o
romance de estreia da autora norte-americana Carson McCullers, publicado pela
primeira vez em 1940. O livro foi sucesso de público, colocando sua autora na
lista de mais vendidos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"> O
cenário do romance é em uma cidade do sul dos Estados Unidos no final da década
de 30. Os capítulos alternam o foco narrativo de um personagem para o outro,
como inicial apresentando-nos à amizade entre os únicos mudos da cidade – o
grego Antanapoulos e o judeu Singer. A rotina calma dos dois deixa de existir
quando Antanapoulos começa a apresentar comportamento violento, desencadeando a
decisão de sua família de interná-lo. Singer vai morar em um quarto de um
pensionato e, aos poucos, novas figuras começam a surgir em sua vida.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"> Biff
Brannon é dono de um restaurante em que trabalha com sua mulher, Alice. Tem
como hábito acompanhar avidamente as notícias e arquivar jornais. Mick é filha
dos donos do pensionato e obcecada com música. Seu maior desejo é poder
aprender a tocar um instrumento, mas as condições de sua família fazem desse um
sonho impossível. Jake Blount, de passagem na cidade, é um trabalhador que sonha
com uma revolução comunista. Benedict Copeland é o médico da cidade, que
trabalha exaustivamente e vê em seus filhos o fracasso do sonho de superar pelo
estudo o terrível fardo da escravidão que carregam os negros americanos. Singer
é o ponto fixo em torno do qual esses personagens orbitam, ocasionalmente
vislumbrando uns aos outros e, dois momentos pivotais do livro, encontrando-se
todos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"> A
amizade de Singer com essas pessoas é fudamentada, principalmente, no desejo
delas por comunicação. Sua mudez o faz quase um ser místico para os personagens
que enxergam no seu silêncio a compreensão de suas angústias mais internas, que
hesitam em verbalizar com alguém que possa de fato respondê-los. Singer, no
entanto, sente-se solitário sem Antanapoulos - seus sentimentos por ele são
próximos aos de ordem romântica, mas em nenhum momento é explicitado se é essa
a natureza do relacionamento dos dois – e enxerga nessas pessoas a
representação da ausência da compreensão que acreditava encontrar em seu amigo
mudo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"> A
impossibilidade da comunicação real e suas consequências é o fio condutor da
narrativa e também o guia os personagens aos seus desfechos: os planos
arruinados de Mick, o fracasso do sonho de Dr. Copeland, a desistência e
partida de Jake e a solidão cada vez mais intensa de Biff. A prosa de McCullers
é fluída e objetiva, mudando levemente seu tom para dar conta melhor do
personagem que recebe o foco narrativo em cada capítulo. São particularmente
pungentes os capítulos dedicados ao Dr. Copeland e à Mick. Apesar da vida
miserável e árida das suas personagens, a autora acerta ao conferir às vidas
interiores deles – Mick, inclusive, explicita essa divisão ao referir-se à sua
obsessão com música e com Singer como “o mundo de dentro” – é complexa e rica e
a negociação entre a realidade e a interioridade surge como um processo
dolorido reservado a todos os personagens.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "helvetica neue" , "arial" , "helvetica" , sans-serif;"> Publicado
quando a autora tinha apenas 23 anos, <i>O
coração é um caçador solitário</i> explora a miséria humana enquanto consciente
das diferentes forças sociais que a causam, criando uma vívida imagem e
personagens tocantes e complexas. </span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 47.2px;">
<span style="color: #333333; font-family: "arial" , "tahoma" , "helvetica" , "freesans" , sans-serif;"><span style="background-color: white; font-size: 14px; line-height: 21.735px;">Nota: </span></span><span style="background-color: white; color: #292f33; font-family: "arial" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;">❤</span><span style="background-color: white; color: #292f33; font-family: "arial" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;">❤</span><span style="background-color: white; color: #292f33; font-family: "arial" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;">❤</span><span style="background-color: white; color: #292f33; font-family: "arial" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;">❤</span></div>
Gabshttp://www.blogger.com/profile/06756939366189003713noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-141550551443466033.post-15265808767627003412015-01-13T01:00:00.000-02:002016-02-23T19:49:56.561-03:00Sharp Objects, Gillian Flynn<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://2.bp.blogspot.com/-kE3uxBBIf1w/VLSI_ZT1OMI/AAAAAAAAJBA/lXChLb3bxu8/s1600/Sharp%2BObjects.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://2.bp.blogspot.com/-kE3uxBBIf1w/VLSI_ZT1OMI/AAAAAAAAJBA/lXChLb3bxu8/s1600/Sharp%2BObjects.jpg" width="360" /></a></div>
Título: Sharp Objects<br />
Autora: Gillian Flynn<br />
Edição: Shaye Areheart Books, 2006.<br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
[Aviso aos navegantes: tentei ser o mais vaga possível, mas essa resenha acaba entregando alguns pontos importantes do livro.]</div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Gillian Flynn é autora de
romances de suspense e crítica de televisão para a <i>Entertainment Weekly</i>, uma das principais publicações
norte-americanas da área. Sua primeira obra publicada foi <i>Na própria carne</i> (Sharp Objects), em 2007. O romance <i>Garota Exemplar </i>(Gone Girl, 2012)
catapultou a carreira da autora, que assinou também o roteiro da adaptação
cinematográfica dirigida por David Fincher de 2014 com Ben Affleck e Rosamund
Pike nos papéis principais.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Sharp Objects </i>é narrado por Camille
Preaker, uma jornalista que recebe a missão de cobrir uma série de assassinatos
cujas vítimas são meninas em sua cidade natal. Após anos em Chicago, ela deve
retornar para Wind Gap, uma pequena cidade interiorana onde seu nome é sinônimo
de um pequeno império: sua mãe herdou uma lucrativa criação de porcos e uma
bela casa vitoriana. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Camille
vai aos poucos retomando contato com pessoas do seu passado – sua opressora
mãe, Adora, sua meia irmã Amma, e suas
amigas do colegial – além aproximar-se do policial responsável pelo caso,
Richard. Conforme Camille vai avançando em suas investigações e em seus
relacionamentos pessoais, a resposta para o mistério local vai se tornando cada
vez mais óbvia: o verdadeiro desafio para a protagonista é empoderar-se o
suficiente para encarar os fatos e fazer o que precisa ser feito. Os
sentimentos conflitantes causados pela morte de sua irmã mais nova voltam a
persegui-la, a rejeição de sua mãe e a sensação de estranhamento causada por
seu <i>status </i>de bastarda na família
(Camille é o resultado de um relacionamento de sua mãe durante a adolescência e
jamais conheceu seu pai) tornando-a cada vez mais instável.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
É
acertada a escolha da autora em focar em sua protagonista e nas personagens que
povoam seu universo ao invés de tentar confundir o leitor o tempo todo – e é
justamente por isso que a guinada nos capítulos finais parece despropositada e
apressada, com a única finalidade de surpreender o leitor. Adora e sua cidade –
ou melhor, seu reino - são fruto metade
dos contos de fada, metade das narrativas góticas e um verdadeiro trunfo da
autora: há algo verdadeiramente perturbador na ideia da figura materna como
fonte de horror e é isso que faz com que, apesar de irregular, <i>Sharp Objects </i>seja um romance cativante.
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Flynn
também procura aqui deixar clara sua proposta como autora. Seu interesse está
em explorar vilã, mulheres perturbadoras e mulheres perturbadas. Ao longo da
investigação é repetido constantemente que mulheres não comentem o tipo de
assassinato que estamos acompanhando. As relações entre as personagens
femininas são manipulativas e tóxicas. Amma e suas amigas, meninas que acabaram
de entrar na adolescência, são maliciosas. As mulheres não são apresentadas
como inocentes, acolhedoras ou covardes
– talvez esse papel caiba mais aos homens, como Richard, o editor do jornal
onde a protagonista trabalha e o padrasto de Camille. São mulheres que colocam
a narrativa em ação e mulheres que encontram as respostas, mas elas não são
boas mulheres. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Se
é fascinante ver uma autora ter coragem de usar todos esses esteréotipos
negativos da figura feminina que existem no inconsciente coletivo, é também
atividade exige um equilíbrio delicado que, às vezes, a autora perde. Na mídia,
as mulheres tem sua complexidade ignorada, sendo previsiveis e superficiais em
sua construção. As personagens femininas
de de Flynn usam essa aparente falta de complexidade como uma máscara para
manipular sua audiência e escapar de seus crimes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A obra da autora consegue ser de fácil consumo
graças à uma prosa objetiva, mas cativante e obtém amplo alcance justamente por lidar
com essas questões de gênero raramente articuladas em nossa sociedade. Em certo
ponto do romance, Amma, a adolescente complicada, abandonada à própria sorte
entre homens que a objetificam apesar de seus treze anos e uma mãe que a
vitimiza – recusando-se, também, a enxergar sua humanidade, afirma em certo
ponto do romance:<span style="font-family: "arial" , "helvetica" , sans-serif; font-size: xx-small;"> <span style="background-color: white; line-height: 115%;"><i style="font-size: small;">“Sometimes if you let people do things to
you, you're really doing it to them.</i><span style="font-size: x-small;">”</span><span class="apple-converted-space"><span style="font-size: x-small;">
Ela acaba, por fim, a ser vítima e algoz ao mesmo tempo, além de qualquer
salvação graças ao condicionamento que a torna incapaz de conexões reais. Está
aí o ponto de partida da obra de Gillian Flynn.</span></span></span></span><span style="font-size: x-small;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 10.5pt; line-height: 115%;"><span class="apple-converted-space"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 10.5pt; line-height: 115%;"><span class="apple-converted-space"><span style="color: #333333; font-family: "arial" , "tahoma" , "helvetica" , "freesans" , sans-serif; line-height: 21.7350006103516px; text-indent: 47.2000007629395px;">Nota: </span><span style="color: #333333; font-family: "arial" , "tahoma" , "helvetica" , "freesans" , sans-serif; line-height: 21.7350006103516px; text-indent: 47.2000007629395px;">♥</span><span style="color: #333333; font-family: "arial" , "tahoma" , "helvetica" , "freesans" , sans-serif; line-height: 21.7350006103516px; text-indent: 47.2000007629395px;">♥</span></span></span><span style="background-color: white; color: #333333; font-family: "arial" , "tahoma" , "helvetica" , "freesans" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 21.7350006103516px; text-indent: 47.2000007629395px;">♥</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 10.5pt; line-height: 115%;"><span class="apple-converted-space"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
Gabshttp://www.blogger.com/profile/06756939366189003713noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-141550551443466033.post-37492429417088184182014-12-16T23:09:00.000-02:002014-12-16T23:38:38.939-02:00Landline, Rainbow Rowell<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://3.bp.blogspot.com/-ocv3qcQF0yg/VJDWiwlNbTI/AAAAAAAAHbI/NAHaVJEKfwg/s1600/Landline.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://3.bp.blogspot.com/-ocv3qcQF0yg/VJDWiwlNbTI/AAAAAAAAHbI/NAHaVJEKfwg/s1600/Landline.jpg" height="640" width="379" /></a></div>
Título: Landline<br />
Autora: Rainbow Rowell<br />
Edição: London: Orion Books, 2014.<br />
<br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Rainbow Rowell
é autora norte-americana que ganhou reconhecimento por suas obras voltadas para
jovens adultos – <i>Fangirl </i>e <i>Eleanor & Parks</i>. Apesar disso, <i>Landiline, </i>assim como seu romance de
estréia <i>Attachtments, </i>tem como
público alvo adultos.<i> </i><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
No romance, a
personagem principal é Georgie, uma escritora para seriados de televisão que
recebe a chance pela qual sempre esperou: finalmente consegue que um produtor
financie o piloto da série que sonha escrever desde os tempos de faculdade. O
problema é que, para conseguir entregar os roteiros exigidos para fechar o
negócio, terá que passar o recesso de natal trabalhando. Seu marido decide,
mesmo assim, levar adiante os planos da família adiante e viaja com
as duas filhas do casal para a casa de seus pais, enquanto Georgie fica para
trás tentando se dedicar ao seu trabalho, mas perturbada pela possibilidade de
seu casamento estar prestes a acabar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
O enredo sofre
de um excesso de informação – os flashbacks; a conturbada relação platônica de
Georgie e seu parceiro de escrita, Seth; os diferentes relacionamentos da
protagonista com sua família e o drama com seu marido, o introspectivo Neal – e
falha por não encontrar uma resolução real. As batalhas pessoais de Georgie
para conseguir equilibrar vida pessoal e profissional, sua história na carreira e o relacionamento
platônico com Seth lembram bastante <i>30
Rock</i>, sitcom americano escrito por Tina Fey que praticamente implora para
ser uma das referências da personagem central, mas ao não ser mencionado dá a
péssima impressão de que a autora prefere que seu leitor não perceba a nitída
influência.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Além dos
dramas pessoais, o romance ainda traz um elemento de fantasia: Georgie passa os
dias do recesso na casa de sua mãe e lá usa o telefone residencial para
telefonar para o residencial da família de Neal – que se recusa a atendê-la no
celular. Porém, Georgie logo percebe que não está falando com o Neal do presente,
mas sim com o Neal do passado, mais exatamente uma semana antes de pedi-la em casamento.
Os dois dividem longas conversas sobre relacionamentos enquanto Georgie
reavalia a vida dos dois juntos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Como
personagem, Georgie é bastante frustrante. Sua incapacidade de ter orgulho do
próprio trabalho e a facilidade com que o enxerga somente como um problema
quando é a única fonte de renda do casal, junto com o fato de que em nenhum
momento ela parece perceber que um homem jamais se sentiria culpado por estar
na posição em que ela está são irritantes e fazem com que Neal, que tinha tudo
para ser um personagem que questiona estereótipos ao escolher ficar em casa com
as filhas, torne-se somente um homem inseguro e incapaz de se comunicar de
verdade. E, mesmo com o grande gesto dramático final, não há resolução para as
questões que o livro aborda justamente por seu tratamento superficial do que
poderia ser uma interessante reflexão sobre a dinâmica familiar nos dias de
hoje. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
O que faz com
que, apesar de seus defeitos, <i>Landline </i>seja
uma leitura prazerosa é a habilidade de Rainbow Rowell para escrever diálogos
divertidos. Apesar disso, é impossível evitar, ao final da leitura, a sensação
de que nada aconteceu de fato durante a narrativa e de que os personagens
continuam como no começo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Nota: <span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 21.7350006103516px; text-indent: 47.2000007629395px;">♥</span><span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 21.7350006103516px; text-indent: 47.2000007629395px;">♥</span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<br /></div>
Gabshttp://www.blogger.com/profile/06756939366189003713noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-141550551443466033.post-88303933917995919522014-08-24T20:28:00.001-03:002014-08-24T20:46:08.831-03:00The Secret History, Donna Tartt<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://2.bp.blogspot.com/-xJhCLuLRc2E/U_p0EVTszaI/AAAAAAAAExU/woOujcvjqD0/s1600/DSC01496.JPG" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://2.bp.blogspot.com/-xJhCLuLRc2E/U_p0EVTszaI/AAAAAAAAExU/woOujcvjqD0/s1600/DSC01496.JPG" height="400" width="283" /></a></div>
Título: The Secret History<br />
Autor: Donna Tartt<br />
Edição: Penguin, Kindle Edition, 2011<br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Donna Tartt é autora
norte-americana e a recipiente do Pulitzer de 2014 por seu mais recente romance,
<i>The Goldfinch</i>. Sua obra de estréia é <i>The Secret History </i>(em português, <i>A história secreta,</i> publicado pela
Companhia das Letras) data de 1992 e causou forte impressão na crítica e no
público.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O
famoso prólogo de Tartt funciona como um início <i>in media res </i>para o livro e, a partir do momento que sabemos o
evento trágico que afetará o narrador, o calouro Richard Papen, resta descobrir
o que leva a esse acontecimento e quais as consequências dele.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Richard
abandona a Califórnia, onde nasceu e foi criado por uma família relativamente
humilde em que nunca se sentiu confortável, para estudar em Vermont. Abandona o
plano de cursar medicina e tenta matricular-se em grego antigo, porém seu
pedido de matrícula é negado. Descobre, por meio de seu professor de francês,
que os alunos de grego fazem parte de um grupo curioso da faculdade organizado
em torno do professor Julian. Ele aceita somente uma meia dúzia de estudantes que
obrigatoriamente deverá cursar todas as disciplinas por ele ministradas. O
resultado é uma experiência universitária isolada que afasta muitos alunos,
porém a figura pitoresca do professor além do fascínio por seus jovens e
misteriosos discípulos convencem Richard a insistir mais uma vez.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Richard
consegue, finalmente, sua admissão e passa a se enturmar com seus poucos
colegas de classe. São eles Henry, um rapaz quieto e genial que domina uma
porção de línguas; os belíssimos gêmeos Charles e Camilla; o jovem
esportista Bunny e o extravagante Francis, cuja casa de campo torna-se palco de
diversos finais de semana dos jovens. Todos agem como se fossem ricos – embora
alguns sejam mais do que outros – e, exceto pelo novo aluno de Julian, conhecem-se
há tempos. Richard, desejando impressionar os jovens que tanto o impressionam,
inventa diversas mentiras para encobrir seu passado simples e consegue fingir também ser parte do universo dos amigos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A
revelação feita no prológo é escolha perfeita para a atmosfera fortemente
influenciada pelo pensamento grego que permeia a trama. A sensação de que as personagens
caminham para a fatalidade ecoa a ideia
grega do destino como inescapável. A vida de Bunny é uma farsa, e ele mantém
seu <i>status </i>graças aos amigos mais
privilegiados do que ele; Henry é dono de uma mente calculista, fascinada pelas
ideias “frias” dos clássicos que tanto aprecia ler; os gêmeos possuem uma
relação marcada pela codependência e abuso muito mais complexa do que as
aparências indicam; Francis aceita ser manipulado para manter a condição financeira
oferecida por sua mãe, a quem despreza. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Richard,
por sua vez, é um narrador que desperta a desconfiança do autor. Seus
relacionamentos são marcados por uma incapacidade de envolvimento real e sua
obsessão por aparentar ser alguém erudito e sofisticado a qualquer custo o
tornam indigesto para o leitor. Em certos momentos, revela pensamentos que o
tornam abertamente repulsivo – especialmente no que tange seu desejo por
Camilla e sua relação com a estudante californiana de artes cênicas, Judy. Aos
poucos, sua participação nos eventos finais torna-se cada vez mais
compreensíveis – e sua dificuldade para compreender os impulsos de Henry
também. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Tartt,
no entanto, consegue centrar sua narrativa em um personagem desagradável sem
prejudicar o fascínio que ela exerce no leitor – pelo contrário. A obsessão dos
jovens com rituais dionísicos e com a ideia introduzida por Julian de que o que
é belo causa também terror fazem parte de toda a narrativa graças à sua prosa
elegante. Esse bom gosto ao narrar um crime reflete a possibilidade constantemente
explorada pela obra da convivência entre o refinamento e a violência.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
É
particularmente revigorante pensar que o romance é centrado em torno da faixa
etária mais cobiçada pelo mercado editorial nas últimas duas décadas – os
jovens adultos – porém não é uma obra feita com o intuito de agradar
especificamente a esse público, o que a maioria dos autores procura fazer
subestimando seus leitores. <i>The Secret
History </i>recusa-se a acelerar seu ritmo, intercalando momentos de ação com
momentos em que seus personagens preocupam-se com coisas tão prosaicas quanto a
lição de casa a ser entregue. Os jovens que aparecem aqui são seres totalmente
desenvolvidos: capazes, inteligentes, conscientes de certo e errado e ao mesmo
tempo fascinados o suficiente com o prazer do discurso – como bons discípulos
dos gregos antigos – para caminhar a linha tênue entre os dois enquanto
discutem o que é heroísmo ou o desejo de imortalidade. Ao mesmo tempo, estão isolados
do universo adulto de fato, e é por isso que sucumbem perante as consequências
de suas ações. A leitura é uma caminhada trágica, porém bela. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nota: <span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 21.735000610351563px; text-indent: 47.20000076293945px;">♥</span><span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 21.735000610351563px; text-indent: 47.20000076293945px;">♥</span><span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 21.735000610351563px; text-indent: 47.20000076293945px;">♥</span><span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 21.735000610351563px; text-indent: 47.20000076293945px;">♥</span><span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 21.735000610351563px; text-indent: 47.20000076293945px;">♥</span></div>
Gabshttp://www.blogger.com/profile/06756939366189003713noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-141550551443466033.post-80927052506239994722014-08-08T00:29:00.000-03:002014-08-08T00:29:08.961-03:00Nu, de botas, Antonio Prata<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://2.bp.blogspot.com/-pNdfhljkGhQ/U-RDXUsty4I/AAAAAAAAEU4/B5PiWOHE0DY/s1600/DSC01504.JPG" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://2.bp.blogspot.com/-pNdfhljkGhQ/U-RDXUsty4I/AAAAAAAAEU4/B5PiWOHE0DY/s1600/DSC01504.JPG" height="400" width="300" /></a></div>
Título: Nu, de botas<br />
Autor: Antonio Prata<br />
Edição: Companhia das Letras, São Paulo: 2013. 1ª edição.<br />
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Antonio
Prata é escritor paulista. Versátil, trabalha com roteiros para cinema e
televisão além de uma coluna na Folha de São Paulo. Já publicou uma coletânea
de crônicas chamada <i>Meio intelectual,
meio de esquerda </i>cujo título é o mesmo de um de seus textos mais. Em <i>Nu, de botas</i>, Prata apresenta
reminiscências de sua infância na São Paulo dos anos 80 de forma bem humorada. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Com
mais jeito de livro de memórias do que qualquer outra coisa, a obra é
catalogada como uma coleção de crônicas e, embora todos os textos funcionem
individualmente, a leitura completa obedecendo a ordem apresentada na edição é
definitivamente a mais proveitosa. Alguns personagens e episódios são
recorrências discretas, tornando-se espécie de <i>running gags</i> - piadas cujo efeito cômico torna-se cumulativo com
sua repetição constante, mais comuns à linguagem cinematográfica e da televisão
do que à literária. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As
crônicas são leves, engraçadas, abordadas com o intuito de explorar o ponto de vista do Antonio criança
(ficcionalizado, é claro). Tratam de pequenos eventos marcantes – as
brincadeiras das crianças do bairro, o divórcio dos pais, a alfabetização, os
animais de estimação, a chegada da irmã – conseguindo um equilíbrio
impressionante entre a consciência do exagero infantil e o entendimento que ele
é fruto do estranhamento do mundo que a infância proporciona. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Merecem
destaque “Ca ce ci co çu”, brilhante reflexão linguística sobre o poder
subversivo de algumas palavras na visão infantil que cria uma divertida quebra
de expectativa para o protagonista e “Banhos”, um hilário episódio de
descoberta assombrosa sobre a sexualidade. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Antonio
Prata consegue segurar o tom leve de sua obra e raramente derrapa para um humor
mais crasso – mesmo navegando no universo infantil onde o humor escatológico,
por exemplo, é tão recorrente. O ponto baixo é, sem dúvidas, “Patos”, que tenta
trazer humor para um momento que revela um pouco mais do que a simples
ignorância infantil que seu autor coloca em primeiro plano. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Apesar
disso, é inegável a competência de Antonio Prata e suas reminiscências sobre a
infância são particularmente agradáveis para aqueles que viveram os anos 80.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 21.735000610351563px;">Nota:</span><span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 21.735000610351563px; text-indent: 47.20000076293945px;">♥</span><span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 21.735000610351563px; text-indent: 47.20000076293945px;">♥</span><span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 21.735000610351563px; text-indent: 47.20000076293945px;">♥</span></div>
Gabshttp://www.blogger.com/profile/06756939366189003713noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-141550551443466033.post-76871509204141806462014-07-23T23:48:00.001-03:002014-07-23T23:48:44.969-03:00Book Haul - Junho '14<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://1.bp.blogspot.com/-vs-_Tq4semM/U9BSmPhYLWI/AAAAAAAAD-8/s1p4ygstl6w/s1600/DSC01506.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://1.bp.blogspot.com/-vs-_Tq4semM/U9BSmPhYLWI/AAAAAAAAD-8/s1p4ygstl6w/s1600/DSC01506.JPG" height="640" width="376" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<br /></div>
Junho é meu mês favorito do ano e esse ano foi o mês mais descontrolado no quesito aquisição de livros também. Quando parei para contabilizar o estrago decidi ficar pelo menos um mês sem comprar nada e estou quase alcançando a meta (só vou abrir uma pequena exceção pro livro novo do Milan Kundera, mas é só, JURO). E vários dos livros foram presentes porque junho é o mês do meu aniversário :)<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://3.bp.blogspot.com/-7L579Ts2bfE/U9BUSqMaOKI/AAAAAAAAD_I/9zi77ZlbB-g/s1600/DSC01511.JPG" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://3.bp.blogspot.com/-7L579Ts2bfE/U9BUSqMaOKI/AAAAAAAAD_I/9zi77ZlbB-g/s1600/DSC01511.JPG" height="400" width="300" /></a><a href="http://4.bp.blogspot.com/-qbu3k25HuGE/U9BUhNjwi2I/AAAAAAAAD_U/Zvylw71xEsU/s1600/DSC01513.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://4.bp.blogspot.com/-qbu3k25HuGE/U9BUhNjwi2I/AAAAAAAAD_U/Zvylw71xEsU/s1600/DSC01513.JPG" height="400" width="300" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://3.bp.blogspot.com/-dW5-1IUudCQ/U9BvtGxfr8I/AAAAAAAAEAg/G942dre83Tk/s1600/DSC01515.JPG" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://3.bp.blogspot.com/-dW5-1IUudCQ/U9BvtGxfr8I/AAAAAAAAEAg/G942dre83Tk/s1600/DSC01515.JPG" height="400" width="300" /></a><a href="http://4.bp.blogspot.com/-_PNGi6kifxw/U9BvdMLBbAI/AAAAAAAAEAY/O19J8DxXE3I/s1600/DSC01517.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://4.bp.blogspot.com/-_PNGi6kifxw/U9BvdMLBbAI/AAAAAAAAEAY/O19J8DxXE3I/s1600/DSC01517.JPG" height="400" width="300" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://2.bp.blogspot.com/-czlQ4NQ6mpQ/U9Bv4eBGslI/AAAAAAAAEAo/1IMx8d1Ftgk/s1600/DSC01520.JPG" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://2.bp.blogspot.com/-czlQ4NQ6mpQ/U9Bv4eBGslI/AAAAAAAAEAo/1IMx8d1Ftgk/s1600/DSC01520.JPG" height="400" width="300" /></a><a href="http://4.bp.blogspot.com/-hZhIzVvR5p0/U9BwBvy8kwI/AAAAAAAAEAw/aQ1WQTcLYlM/s1600/DSC01521.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://4.bp.blogspot.com/-hZhIzVvR5p0/U9BwBvy8kwI/AAAAAAAAEAw/aQ1WQTcLYlM/s1600/DSC01521.JPG" height="400" width="300" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://2.bp.blogspot.com/-UJbl8G-ovnc/U9BwNaY0ebI/AAAAAAAAEA4/pJVeXBa4G7U/s1600/DSC01525.JPG" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://2.bp.blogspot.com/-UJbl8G-ovnc/U9BwNaY0ebI/AAAAAAAAEA4/pJVeXBa4G7U/s1600/DSC01525.JPG" height="400" width="291" /></a><a href="http://1.bp.blogspot.com/-HgklC9XXVbI/U9BwWdRUMwI/AAAAAAAAEBA/TPeTQdAfBW4/s1600/DSC01526.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://1.bp.blogspot.com/-HgklC9XXVbI/U9BwWdRUMwI/AAAAAAAAEBA/TPeTQdAfBW4/s1600/DSC01526.JPG" height="400" width="300" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://1.bp.blogspot.com/-s2TlP2Z4LWY/U9BwzvC5HtI/AAAAAAAAEBc/jwbzbz_uo6U/s1600/DSC01529.JPG" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em; text-align: justify;"><img border="0" src="http://1.bp.blogspot.com/-s2TlP2Z4LWY/U9BwzvC5HtI/AAAAAAAAEBc/jwbzbz_uo6U/s1600/DSC01529.JPG" height="400" width="300" /> </a></div>
<a href="http://1.bp.blogspot.com/-9uV0dOqqFH0/U9BwpksPdqI/AAAAAAAAEBU/gP-GL7DDYiU/s1600/DSC01528.JPG" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://1.bp.blogspot.com/-9uV0dOqqFH0/U9BwpksPdqI/AAAAAAAAEBU/gP-GL7DDYiU/s1600/DSC01528.JPG" height="400" width="300" /></a><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://1.bp.blogspot.com/-Rc-WLu9S5_E/U9BxhZQ0VZI/AAAAAAAAEBo/aaIFpUTSoZk/s1600/DSC01532.JPG" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"></a><a href="http://4.bp.blogspot.com/-DmZbolFvsfI/U9Bx39AIOXI/AAAAAAAAEBs/HJIEaKO7Bs4/s1600/DSC01534.JPG" imageanchor="1" style="clear: right; display: inline !important; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" src="http://4.bp.blogspot.com/-DmZbolFvsfI/U9Bx39AIOXI/AAAAAAAAEBs/HJIEaKO7Bs4/s1600/DSC01534.JPG" height="400" width="300" /></a><img border="0" src="http://1.bp.blogspot.com/-Rc-WLu9S5_E/U9BxhZQ0VZI/AAAAAAAAEBo/aaIFpUTSoZk/s1600/DSC01532.JPG" height="400" width="300" /> </div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://4.bp.blogspot.com/-XsFgIQh_IEE/U9ByEw1vCpI/AAAAAAAAEB4/jjRtKsFFr3Q/s1600/DSC01535.JPG" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://4.bp.blogspot.com/-XsFgIQh_IEE/U9ByEw1vCpI/AAAAAAAAEB4/jjRtKsFFr3Q/s1600/DSC01535.JPG" height="400" width="300" /></a><a href="http://4.bp.blogspot.com/-NQltDfVb-ps/U9Byusk5xII/AAAAAAAAEB8/XV1qko6Jthk/s1600/DSC01537.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://4.bp.blogspot.com/-NQltDfVb-ps/U9Byusk5xII/AAAAAAAAEB8/XV1qko6Jthk/s1600/DSC01537.JPG" height="400" width="300" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://1.bp.blogspot.com/-PTzV7hJ-YMM/U9By4n75dKI/AAAAAAAAECE/GVWKHFqpEEM/s1600/DSC01538.JPG" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://1.bp.blogspot.com/-PTzV7hJ-YMM/U9By4n75dKI/AAAAAAAAECE/GVWKHFqpEEM/s1600/DSC01538.JPG" height="400" width="300" /></a><a href="http://2.bp.blogspot.com/-kNt7Mkq9pg0/U9BzDNl0FoI/AAAAAAAAECM/-TOZyH2KD5M/s1600/DSC01541.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://2.bp.blogspot.com/-kNt7Mkq9pg0/U9BzDNl0FoI/AAAAAAAAECM/-TOZyH2KD5M/s1600/DSC01541.JPG" height="400" width="300" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://3.bp.blogspot.com/-aS1sU38wIwo/U9BzKpgwuyI/AAAAAAAAECU/Mdwehsj6iTo/s1600/DSC01543.JPG" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://3.bp.blogspot.com/-aS1sU38wIwo/U9BzKpgwuyI/AAAAAAAAECU/Mdwehsj6iTo/s1600/DSC01543.JPG" height="400" width="300" /></a><a href="http://3.bp.blogspot.com/-eN84mCyy14g/U9BzSddMz9I/AAAAAAAAECc/NOBuRIMlnG0/s1600/DSC01544.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://3.bp.blogspot.com/-eN84mCyy14g/U9BzSddMz9I/AAAAAAAAECc/NOBuRIMlnG0/s1600/DSC01544.JPG" height="400" width="300" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
Bom, decidi não falar de livro por livro porque acho que ninguém teria paciência, né? Vários são das promoções que a Companhia das Letras e a Editora 34 fizeram esse mês e alguns outros são aproveitando o desconto para aniversariante da Cosac Naify. E uma boa quantidade também são livros que ganhei de presente :) Como vocês podem ver, junho foi um mês excelente para minha estante.</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
É isso, pessoal, até mais e boas leituras!</div>
Gabshttp://www.blogger.com/profile/06756939366189003713noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-141550551443466033.post-79816449292337681432014-07-21T23:34:00.003-03:002014-07-22T20:48:24.889-03:00A fantástica vida breve de Oscar Wao, Junot Díaz<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://1.bp.blogspot.com/-_2X1h7r7xNw/U83MDLd33hI/AAAAAAAAD9s/L3WSMn0gcPI/s1600/DSC01485.JPG" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://1.bp.blogspot.com/-_2X1h7r7xNw/U83MDLd33hI/AAAAAAAAD9s/L3WSMn0gcPI/s1600/DSC01485.JPG" height="400" width="300" /></a></div>
Título: A fantástica vida breve de Oscar Wao<br />
Autor: Junot Díaz<br />
Tradutor: Flávia Anderson<br />
Edição: São Paulo: Record, 2009. 1ª edição.<br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i><span style="background: white; line-height: 115%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"> A fantástica vida breve de Oscar Wao</span></i><span style="background: white; line-height: 115%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"> é o primeiro romance de Junot Diaz – cuja estréia literária
foi o livro de contos <i>Afogado – </i>e<i> </i>pelo qual o autor recebeu o prêmio Pulitzer em 2008. De origem
dominicana, Junot Díaz imigrou ainda jovem para os Estados Unidos e hoje é
professor do famoso MIT (Massachussets Institute of Technology). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; line-height: 115%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"> Apesar de Oscar ser o personagem
central e acompanharmos, como o título já indica, sua breve vida do ínicio ao
fim, também são explorados os outros membros mais importantes de sua família –
a mãe, a irmã Lola e sua avó, La Inca, que mora na República Dominicana em uma
narrativa que divide-se em duas partes. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background: white; line-height: 115%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"> Oscar é apresentado no primeiro
capítulo: uma criança que conforme se desenvolve torna-se mais deslocado no
mundo. Criado em uma comunidade de imigrantes, ele sofre por não conseguir se
identificar com o esterétipo do latino. Gordo, nerd, solitário, tímido e
terrivelmente romântico, Oscar tropeça pela vida e acaba encontrando uma
paixão. A moça é colega de sala do cursinho onde Oscar estuda para sua segunda
tentativa no exame de ensino médio americano, o SAT. A primeira desilusão
amorosa alimenta sua vontade de encontrar na escrita um refúgio.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="background: white; line-height: 115%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-font-size: 12.0pt;">O segundo capítulo apresenta uma oscilação de narrador – ora
usa-se a primeira pessoa, ora a terceira – o que, segundo o autor, é indicação de que o narrador estabelecido ao longo do livro, o dominicano Yunior,
amigo de Lola e mais tarde Oscar, é quem de fato narra simulando o ponto de
vista de sua amiga e ex-namorada. Lola vive em conflito constante com sua mãe,
uma mulher antiquada que abusa fisica e psicologicamente da menina. Desesperada, decide
fugir de casa para morar com o namorado, mas logo é resgatada pela mãe e
mandada para a República Dominicana, onde mora com La Inca por uns tempos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="background: white; line-height: 115%; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-font-size: 12.0pt;">Temos, a seguir, um capítulo dedicado às histórias de origem
de Belícia, mãe de Oscar e Lola. É revelado um passado de abusos e abandonos,
até que a menina é resgatada por La Inca, uma parente distante que, incapaz de
ter filhos, resolve procurar todos os parentes ainda vivos em meio a destruição
da sociedade dominicana causada pela ditadura militar. Belícia é jovem
impetuosa e, após uma desilusão amorosa durante a idade escolar, envolve-se com
um gangster. Recusa-se a aceitar que não há destino para os dois e acaba
engravidando somente para mais tarde descobrir que ele é casado com a irmã do
ditador Trujillo. É dada a ordem para execução silenciosa de Beli.
Milagrosamente, consegue sair com vida do canavial onde foi surrada e após
recuperar-se, vai para os Estados Unidos onde constrói para si uma vida simples
e marcada pelo trabalho pesado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O quarto
descortina de vez o narrador que até então comentava a narrativa sem colocar-se como personagem. Ele é amigo de longa data de Lola, decide ser colega
de quarto de Oscar para agradá-la. Atlético e mulherengo, Yunior decide
“reformar” Oscar, mas acaba desistindo da missão e abandonando aos poucos a
amizade com o irreparável nerd – apesar de não admitir abertamente, Yunior
compartilha, embora com menor intensidade, os intesesses de Oscar e preocupa-se
com o rapaz. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Com os
personagens centrais estabelecidos, acompanhamos as desventuras de Oscar até
sermos apresentadas a que acaba por ser a final – sua paixão por uma prostituta
amante de um dos generais da polícia dominicana, o que o coloca em perigo
semelhante ao que sua mãe enfrentou anos atrás. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A história
da República Dominicana é presença forte em <i>A
fantástica vida breve de Oscar Wao</i>, revelada seja pela narrativa, que
demonstra a destruição do país e as cicatrizes deixadas de geração para
geração, seja pelas surpreendentemente bem humoradas notas de roda pé escritas
ainda no estilo do narrador e que comparam frequentemente Trujillo, o ditador, aos
grandes vilões da cultura nerd – em especial, são feitas muitas referências à
obra de Tolkien. Em ritmo acelerado e com uma escrita envolvente, Diaz discute
os horrores das ditaduras financiadas pelos americanos que fizeram parte da
história de vários países latino-americanos, a experiência da imigração e a
identidade dominicana<b>. </b>O romance
capta brilhantemente a força que move seus personagens em situações impossíveis
– o instinto de sobrevivência da família de Oscar (e de todos os imigrantes),
estranhamente envigorado por um impulso autodestrutivo.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Lola, mais próxima de La Inca do
que de sua mãe, parece ser única disposta
a quebrar o ciclo (ou, como os dominicanos diriam, o fukú) da família e o
desfecho indica alguma esperança de que finalmente consiga por meio da educação
que sua mãe, personagem fascinante em sua complexidade, a garantiu e que agora
lhe permite criar sua filha, Ísis, de forma mais consciente. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 21.735000610351563px; text-indent: 0px;">Nota:</span><span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 21.735000610351563px;">♥</span><span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 21.735000610351563px;">♥</span><span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 21.735000610351563px;">♥</span><span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 21.735000610351563px;">♥</span><span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 21.735000610351563px; text-indent: 0px;">♥</span></div>
Gabshttp://www.blogger.com/profile/06756939366189003713noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-141550551443466033.post-3694973245918454132014-07-12T00:16:00.001-03:002014-07-12T00:30:47.378-03:00Oranges are not the only fruit, Jeanette Winterson<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://2.bp.blogspot.com/-ZfwVMeJF3OQ/U8Clqj30paI/AAAAAAAADwY/dsLbPowiOVg/s1600/DSC01132.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://2.bp.blogspot.com/-ZfwVMeJF3OQ/U8Clqj30paI/AAAAAAAADwY/dsLbPowiOVg/s1600/DSC01132.jpg" height="400" width="300" /></a></div>
Título: Oranges Are Not The Only Fruit<br />
Autora: Jeanette Winterson<br />
Edição: Grove Press, 1997.<br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Jeanette Winterson é autora
britânica conhecida principalmente pelo romance <i>Oranges are not the only fruit</i>. A obra foi adaptada para a
televisão pela BBC e recebeu bastante destaque, além de arrebatar um BAFTA. A
autora, por sua vez, também foi reconhecida por diversos prêmios e pertence a <i>Order of British Empire</i> por suas
contribuições literárias ao país.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Com fortes
tendências autobiográficas, <i>Oranges are
not the only fruit </i>acompanha a vida de sua protagonista, Jeanette, da
infância até a adolescência. Filha adotiva de um casal formado por uma cristã
fervorosa e fundamentalista profundamente envolvida com a comunidade evangélica
de sua cidade e um pai ausente, desde criança faz parte da congregação e é
totalmente controlada por sua mãe, que também a educa em casa até os sete anos,
quando recebe intimação para matriculá-la na escola. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
A influência
materna ainda prevalece e Jeanette sente-se deslocada dentro do ambiente
escolar onde seu extenso conhecimento biblíco causa estranhamento e receio de
colegas e professores. A igreja ainda é o lugar em que se sente em casa e,
obedecendo aos desejos da mãe, estuda para tornar-se uma jovem missionária
cristã. Apesar de sua lealdade, com a chegada da adolescência Jeanette vai
percebendo que discorda de alguns pontos da doutrina que recebe, além de não
simpatizar com o pastor famoso que sua congregação recebe. Percebe, também, que
para os outros seu universo é estranho e o relacionamento com sua rígida mãe
torna-se progressivamente mais difícil.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Certo
dia Jeanette conhece uma jovem na cidade e sente-se imediatamente fascinada por
ela. A amizade entre as duas é imediata e Melanie passa a frequentar a igreja
também. O relacionamento amoroso entre as duas lhes parece uma progressão
natural, embora saibam que devem manter tudo em segredo. Quando descobertas, as
jovens separam-se e Jeanette recebe traumático tratamento de sua família e
comunidade, incluindo uma sessão de exorcismo em que é presa em um cômodo por
trinta e seis horas sem comida. Jeanette finge arrepender-se e, com Melanie
longe, dedica-se intensamente ao trabalho na Igreja – uma vez que sua
habilidade linguística faz com que colha bons resultados, além de permitir que
se sinta segura no ambiente predominante feminino em que cresceu.<br />
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Agora mais
velha e longe da escola, com a igreja como sua principal obrigação, Jeanette
sente-se satisfeita. Começa novo relacionamento com uma recém-convertida, Katy,
e dessa vez procura manter o segredo com maior cuidado. No entanto, é
descoberta e a congregação, incitada pelo pastor, decide que o problema é o
proeminente papel exercido pelas mulheres da comunidade e que a atuação
feminina deve ser limitada. Inconformada, finalmente decide abandonar sua casa
e desligar-se da igreja. Arranja um emprego e começa a economizar para ir para
Londres, lugar que idealiza como uma nova possibilidade. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Narrado
em primeira pessoa, o livro explora o impressionante impacto dos mitos bíblicos
na mente jovem de Jeanette. Sua imaginação é toda ditada pelas estruturas narrativas
e personagens que povoam essses textos que estuda com tanto afinco desde a infância.
Os capítulos são nomeados segundo livros da bíblia que dialogam, na maioria das
vezes pelo contraste, com o momento pelo qual a personagem central passa. O
quinto capítulo, que ocupa posição central no livro, rompe de forma
interessante com a narrativa estabelecida e apresenta um narrador – que não é a
Jeanette-personagem – discutindo os conceitos de fato e ficção e como a
história do passado individual de cada um é produto de ambos: não só dos fatos,
mas também como eles foram por nós interpretados e pela forma que construímos
nossas narrativas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Além
do trabalho formal extremamente bem executado e reflexivo, a prosa de Winterson
acompanha bem o desenvolvimento de sua personagem, dosando a influência do
discurso religioso conforme o estado de sua heroína. Uma das principais
características de Jeanette é sua eloquência, ferramenta usada tanto para o
serviço da igreja quanto, mais tarde, para seu proveito próprio.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Oranges are not the only fruit</i> explora
competentemente temas profundos em um número surpreendentemente pequeno de
páginas: a religião, o papel feminino na sociedade, a morte,
o preconceito sofrido pela comunidade LGBT e a própria natureza das histórias
são abordadas de forma interessante e que revelam intenso cuidado da autora,
resultando em uma obra executada brilhantemente. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 21.735000610351563px; text-align: start;">Nota: </span><span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 21.735000610351563px;">♥♥♥♥</span><span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 21.735000610351563px;">♥</span></div>
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