quarta-feira, 26 de março de 2014

O filho de Mil Homens, Valter Hugo Mãe

Título: O filho de Mil Homens
Autor: Valter Hugo Mãe
Editora: Cosac Naify
Edição: São Paulo, 2013.



          Valter Hugo Mãe é um autor angolano radicado em Portugal. Escritor de romances, poesia e também músico, editor e artista plástico, o autor alcançou posição de destaque na literatura portuguesa contemporânea ao receber, junto com o Prêmio Literário José Saramago de 2007, elogios efusivos do escritor português.
            O filho de mil homens narra a história de Crisóstomo, que tem quarenta anos e o desejo cada vez mais urgente de ser pai. Por isso, resolve partir por seu povoado, procurando uma criança que também procure um pai. Encontra Camilo, um jovem órfão que precisa de proteção. Começa, otimista, uma família.
 O desejo de pertencer, de criar laços, une os personagens que são apresentados ao longo do enredo. Ainda fazem parte do universo apresentado pelo narrador Isaura, uma moça que vê sua vida arruinada após ceder às investidas amorosas de seu pretendente; Antonino, rechaçado desde a adolescência pela vizinhança por ser homossexual e que busca na união com Isaura, uma mulher rejeitada, aceitação; Matilde, mãe de Antonino, dividida entre o impulso materno e a pressão social para reprovar seu filho.
Outros personagens povoam ainda a narrativa, todos se relacionando de uma forma ou de outra com a família formada por Crisóstomo, Camilo e Isaura. A solidão, a busca da aceitação, as cicatrizes deixadas pela rejeição são as questões constantes da obra. Uma qualidade atemporal perpassa a narrativa, que se passa em um vilarejo rural humilde, distante do burburinho urbano e  faz ressoar ainda mais a reflexão profunda da obra de Mãe.
Crisóstomo, como personagem, é uma das construções mais belas de O filho de mil homens. Seu principal objetivo é tão tocante e simples quanto complexo – amar e ser amado, aceitar e ser aceitado. Essa singeleza impregna a prosa do autor, que é delicada, sensível e torna a leitura fluída com seu ritmo que é realização impressionantemente eficiente, natural e bela. Mas que não surjam mal-entendidos: para que a beleza de O filho de mil homens funcione, a feiura da nossa sociedade é, também, uma das forças a mover o romance. A rejeição, os preconceitos e a desigualdade são parte dos personagens terrivelmente humanos de Valter Hugo Mãe.
O filho de mil homens é uma obra de sensibilidade ímpar em todos seus níveis. O amor como resposta para as agruras da condição humana – só dificultada pelas tolices inventadas pelos próprios humanos – surge como esperança sincera que torna a obra extremamente tocante e justifica todo e qualquer elogio que Valter Hugo Mãe venha a receber de grandes nomes da literatura. 

Nota: ♥♥♥♥♥

domingo, 9 de março de 2014

Eleanor & Park e Fangirl, Rainbow Rowell



     Rainbow Rowell é uma autora norte-americana com grande destaque dentro da produção para jovens adultos – os YA, público cujos sucessos de vendas têm garantido cada vez mais destaque no mercado literário para seus autores. 


             Eleanor & Park Rowell narra o romance improvável de seus personagens principais. Eleanor é a esquisita aluna nova vestida em roupas extravagantes prestes a ser ridicularizada. Park, um rapaz introvertido que goza de certa segurança na escola por ter amizades antigas no bairro, apieda-se e oferece-lhe um lugar do seu lado durante a viagem de ônibus para a escola. Pouco a pouco, os dois começam a interagir e a superar as primeiras impressões.
            Os capítulos são curtos e alternam entre Park e Eleanor como narradores, o que faz com que em certos momentos uma mesma ação seja contada na perspectiva dos dois personagens, explorando ângulos diferentes. O ritmo é rápido e a voz narrativa obedece à maturidade de seus personagens, incluindo o uso de gírias. Situada em uma vizinhança pobre da Omaha dos anos 80, é interessante observar a honestidade com que dilemas pontuais da vida dos personagens são abordados e como eles ressoam com a juventude atual.
            A família de Eleanor, por exemplo, vive em precária situação financeira. Seu padrasto é abusivo e o ambiente doméstico é marcado pelas privações não só de recursos, mas também de espaço e privacidade. Park vem de uma família amorosa, mas se sente rejeitado pelo pai por ter uma personalidade mais retraída e sensível, além de se sentir inseguro por ser o único jovem asiático da vizinhança. A paixão dos dois surge lentamente, com toda a intensidade e frustração que o amor da adolescência costuma trazer e que são bem explorados pela autora.
            Os personagens são carismáticos e não sofrem da falta de multidimensionalidade que costuma acometer livros desse gênero, transformando Eleanor & Park em um livro cuja honestidade cativa leitor. 

Nota: ♥♥♥♥


            Fangirl é um romance que aborda o período de adaptação de sua personagem principal, Cath, à faculdade. Tímida e introvertida, Cath decepciona-se ao perceber que sua irmã gêmea, Wren, deseja mais independência e por isso não quer ser sua colega de quarto. Além disso, Wren parece desejar se afastar de um outro universo que dividia com sua irmã – o das fanfics.
            Cath é fã ardorosa de uma série de livros chamada Simon Snow e dedica-se intensamente a produção de uma das mais populares fanfics entre os fãs da série. Para quem não sabe, é comum a criação de comunidades virtuais devotadas à discussão e produção de arte inspirada em livros, filmes ou séries de televisão de sucesso. As fanfics escritas por Cath consistem em narrativas novas usando os personagens do universo de Simon Snow.
            O ponto fraco de Fangirl é ter um enredo movimentado demais: Cath tem problemas para se adaptar na faculdade, para se comunicar com sua colega de quarto (e seu atraente e misterioso namorado, Levi), para manter um contato amigável com sua irmã, seu relacionamento com os pais é conturbado e ainda tem que lidar com os sentimentos despertados por seu colega da turma de Creative Writing. Além do excesso de informação, cada capítulo é introduzido por um trecho dos livros ou de fanfics de Simon Snow que, se por um lado trazem divertidas referências ao universo de Harry Potter e aos clichês desse tipo de texto, por outro parecem quebrar de forma anticlimática o ritmo acelerado da narrativa.
            O narrador é onisciente e o foco narrativo está na personagem principal – o que ora ajuda, ora atrapalha a leitura. Cath sofre com uma boa dose de ansiedade social e é bastante introvertida, a ponto de sua recusa a ser gentil com os outros personagens ser um pouco irritante e soar exagerada. Não é à toa que os diálogos mais interessantes são divididos com sua colega de quarto, que tem pouca paciência para as lamentações dramáticas da personagem principal.
            Apesar disso, existe algo sincero no jeito que Rowell constrói sua personagem que torna impossível odiá-la de verdade. E, em parte, sua jornada também inclui livrar-se do preconceito que Cath parece ter com pessoas que se divertem de forma diferente da sua e, após muita resistência, deixar mais pessoas fazerem parte de sua vida.
            Existem vários elementos interessantes em Fangirl que distancia da mesmice dos YAs atuais. Talvez o necessário para que Fangirl funcionasse de forma impecável dentro de seu gênero fosse uma revisão por parte da autora. Como está, fica para o leitor a sensação de estar lendo um primeiro rascunho com bastante potencial, mas prejudicado pelo número de ideias e situações exagerados. 

Nota: ♥♥