segunda-feira, 5 de maio de 2014

O Céu dos Suicidas, Ricardo Lísias

Título: O Céu dos Suicidas
Autor: Ricardo Lísias
Edição: Rio de Janeiro: Objetiva (Alfaguara), 2013.



          Ricardo Lísias é autor brasileiro, professor, tradutor e colaborador ocasional da Revista Piauí. Seus dois romances mais recentes, O Céu dos Suicidas e Divórcio ganharam considerável atenção da crítica e deixaram em destaque o nome do autor.
            O Céu dos Suicidas tem como personagem-narrador Ricardo – e muita especulação esse factoide despertou. Especulação inútil, diga-se de passagem. O aspecto autobiográfico é interessante, mas é um beco sem saída: não apresenta respostas. É, no entanto, compreensível que o leitor fique interessado por essa questão, uma vez que ela é menos desconcertante do que o verdadeiro beco sem saída que o Ricardo personagem encontra: como lidar com o suicídio em uma sociedade de valores judaico-cristãos.
            Ricardo abriga temporariamente André, seu amigo dos tempos de faculdade, em sua casa. André sofre com problemas psicológicos desde que ambos se conheceram pela primeira vez. Seu comportamento acaba enfurecendo Ricardo – que tenta ser paciente mas, como vemos ao longo do romance, tende a expressar seus sentimentos por meio da raiva – que expulsa seu amigo. Alguns dias depois, Ricardo fica sabendo que André se suicidou. Ricardo é chamado para prestar depoimentos por ter sido a última pessoa a ver o amigo antes de sua morte.
            O protagonista é colecionador profissional e obcecado com informações. André torna-se mais uma de suas obsessões e, ao longo do livro, vemos Ricardo catalogar mentalmente informações e memórias sobre o amigo e sobre si mesmo conforme atravessa o período de luto. A dificuldade de aceitar a condenação do suicídio por parte dos religiosos atormenta-o profundamente. Agressivo e autodestrutivo, Ricardo distancia-se da família e age de forma impulsiva até conseguir encontrar algum tipo de resolução para a inquietude deixada pela morte de André.
            O céu dos suicidas é uma leitura acertadamente tensa e desconfortável. A prosa econômica de Lísias é organizada de forma a refletir os processos mentais de seu narrador que precisa perder o controle para conseguir reconquistá-lo e constrói um retrato vivaz de como funciona uma mente obsessiva. O autor tem uma voz própria que conduz a narrativa com precisão e investe em uma linguagem clara e densa adequada às reflexões profundas que propõe.

  Nota: ♥♥♥♥

domingo, 4 de maio de 2014

Fahrenheit 451, Ray Bradbury



Título: Fahrenheit 451 
Autor: Ray Bradbury
Tradutor: Cid Knipel
Edição: São Paulo: Globo, 2009.


            Ray Bradbury é autor americano de romances de fantasia, horror e ficção científica. Suas obras receberam adaptações para diversas plataformas, entre elas o cinema e o teatro. Bradbury é famoso também por ter sido engajado defensor das bibliotecas públicas. Sem dúvidas é a paixão pelos livros a força motriz do enredo de Fahrenheit 451.
            O romance trata de um futuro distópico em que livros são proibidos. Nesse futuro, a função dos bombeiros é atender denúncias e queimar qualquer volume literário que tenha escapado. É encorajado, no entanto, que os cidadãos acompanhem programas aprovados e desenvolvidos pelo governo em telas imensas que permitem até mesmo a interação do espectador com os personagens e apresentadores. É assombroso que um livro publicado em 1953 consiga prever a obsessão com as telas e o consumo constante de informação – na maior parte do tempo inútil – das massas.
O livro é narrado em terceira pessoa com foco em Montag, um bombeiro que vive uma vida pacata até o dia em que, retornando do trabalho, é interpelado por sua jovem vizinha. Clarisse é, para os padrões de Montag, estranha e perigosa por ter o hábito de observar as coisas e fazer perguntas. Suas breves conversas com a jovem antes do sumiço dela – mais uma vítima da perseguição política – despertam algo que, mais tarde descobrimos, já não estava tão adormecido assim no protagonista.
Montag começa a se sentir insatisfeito com sua vida. Podemos perceber isso principalmente em seus conflitos com sua mulher, Mildred. Sua esposa é cidadã perfeita e recusa-se a discutir com Montag suas ansiedades e questionamentos. Não devemos, no entanto, assumir que ela não os tem: sua busca por alívio e alienação indicam justamente o contrário: existe uma sensação de insatisfação que permeia todo o livro, embora a maioria dos personagens não saiba articulá-la ou prefira ignorá-la por medo de represálias.
O chefe de Montag percebe as alterações em seu comportamento e decide conversar com o bombeiro, expondo o ponto de vista do governo sobre a necessidade de banir livros. A leitura, explica, não traz felicidade – pelo contrário, só faz as pessoas angustiarem-se mais perante o mundo. Além disso, os níveis de conhecimentos alcançados pelas pessoas não são sempre os mesmos, o que também as torna infelizes. É oferecida uma segunda chance a Montag, mas as respostas de Capitão Beatty não o satisfazem e é Faber, um aposentado professor de inglês conhecido por seu comportamento subversivo que começará a fazer com que Montag entenda o mundo em que vive e possa tomar uma decisão informada sobre que lado tomar.
A crítica social de Fahrenheit 451 é prejudicada por uma visão pouco clara do que é e como funcionam, de fato, censura e opressão. Também não fica claro como o universo distópico do livro consegue tanto avanço tecnológico com o conhecimento tão restrito – onde caberia uma pontual discussão da questão de classes temos uma oportunidade desperdiçada.
A prosa de Bradbury, por sua vez, é atravancada pelo uso constante de metáforas que nem sempre acrescentam informações interessantes e cujo valor lírico é questionável. O mote de Fahrenheit 451 é inegavelmente brilhante. A proposta de pensar uma sociedade em que os livros são proibidos é interessante, mas fica prejudicada pela crítica social confusa e mal informada do autor. O estilo de Bradbury peca pelo excesso, o que torna a leitura cansativa apesar do enredo movimentado.  Ironicamente, a adaptação cinematográfica do diretor francês François Truffaut faz melhor proveito da ideia central de Fahrenheit 451

Nota: ♥♥♥