segunda-feira, 30 de junho de 2014

A mulher calada: Sylvia Plath, Ted Hughes e os limites da biografia, Janet Malcolm

Título: A mulher calada: Sylvia Plath, Ted Hughes e os limites da biografia
Autora: Janet Malcolm
Tradutor: Sérgio Flaksman
Edição: São Paulo: Companha das Letras - Companhia de Bolso, 2012.

       Sylvia Plath foi uma autora americana de poesia e prosa famosa por seu estilo intimista, atmosférico e  por seu lirismo rico. O tom confessional e os detalhes autobiográficos que Plath inseria em sua obra tornaram-na, postumamente, objeto de intenso escrutínio. Detalhes de sua vida com seu marido, o poeta laureado Ted Hughes, e sua batalha desde a infância com a depressão fomentaram o mito de sua morte - um suicídio explorado em detalhes não só pela mídia, mas também dentro do meio acadêmico. A publicação de seus diários e as omissões feitas por Hughes, que além de editá-los, não escondeu ter destruído alguns dos cadernos mantidos por sua esposa só alimentaram a curiosidade pública sobre Plath.
            Janet Malcolm propõe com seu livro um estudo focado não em Sylvia Plath, mas sim nas narrativas que a envolvem e sua jornada tentando decrifrá-las. Para tanto precisa da aprovação dos Hughes. Ted e sua irmã, Olwyn, angariaram ao lidar com estudiosos que desejavam revisitar os espólios literários de Plath uma péssima reputação. Malcolm é compreensiva e busca estabelecer uma visão neutra, refletida em sua escrita que evita trazer suas próprias impressões. Apesar disso, é recebida com desconfiança.
 Ao mesmo tempo, a questão da biografia enquanto gênero e suas limitações – afinal, tudo que Janet Malcolm pode nos trazer em sua tentativa de imparcialidade ainda é marcado por suas impressões pessoais – surge como uma das principais discussões propostas pelo livro. Sylvia Plath é, de fato, exemplo perfeito da impossibilidade de impedir que animosidades despertadas por sua figura influenciem os inescapáveis julgamentos dos quais o biógrafo não pode escapar.
A autora tem consciência disso, o que a leva a admitir simpatizar com Ted Hughes, mesmo consciente de que o poeta mostra-se na mesma medida esquivo quando possível e solícito quando vantajoso, uma combinação frustrante tanto para o leitor quanto para a Malcolm.
A pesquisa de Janet Malcolm é sólida e nos apresenta seus encontros com as principais figuras da vida de Plath de forma interessante. Mesmo em seus esforços para compreender os Hughes, a autora não consegue disfarçar que encontra em seu caminho diversas forças antagônicas, a começar por Olwyn. Diante de tanta oposição, não parece estranho que a resposta de alguns estudiosos seja a adoração exagerada de Plath.
A questão do gênio poético de Plath é, talvez, o ponto mais interessante da biografia. Sua obra poética é  complexa e rica o suficiente para clamar independência da figura de sua autora. Porém, parece  frustrantemente impossível para os leitores,  acadêmicos e mesmo para Hughes enquanto poeta e editor escaparem dessa armadilha. A academia muito discutiu o silenciamento da voz poética de Plath que fez parte das tentativas de Ted de manter sua vida privada longe do alcance de estudiosos. Janet Malcolm racionaliza os motivos por trás disso e deixa para seu leitor decidir se preservar os vivos, em especial os dois filhos do casal, é um motivo razoável para justificar as escolhas, por vezes inconsistentes, dos Hughes.
Não há duvidas de que questões interessantes são levantadas e episódios relevantes descritos com tato, porém o livro atenta mais aos irmãos Hughes e sua relação com os biógrafos de Plath do que para a própria poeta.  O desprezo dos Hughes pelas leitoras de Plath faz com que o leitor já intua certa necessidade de equilíbrio que acaba faltando na obra. O retrato que os Hughes desejam pintar fica claro: uma mulher geniosa, atormentada por seus problemas mentais que tornavam difícil a convivência. Ao leitor, cabe pensar e decidir por si so: será que buscar Ted, por mais que seja possível compreender sua posição, é mesmo o melhor caminho para entender sua esposa? O mesmo Hughes que parece incapaz de entender e diferenciar a voz poética de sua esposa, rejeitando-a? Será que o ressentimento pelos poemas de Plath que sobrevivem com mais força terem sido produzidos durante o período em que Ted abandonou sua família o permite enxergar a questão com clareza?
Janet Malcolm pouco investiga  sobre a vida de Sylvia antes do casamento e da mudança para a Inglaterra e peca por não lhe dar mais autonomia em sua própria narrativa. Plath é a capa do livro, mas o recheio é a questão – brilhantemente abordada – da escrita de não-ficção e seus limites.
            
Nota: ♥♥♥

O Grande Gatsby, F. Scott Fitzgerald

Título: O Grande Gatsby
Autor: F. Scott Fitzgerald
Tradutor: Vanessa Barbara
Edição: São Paulo: Penguin Classics - Companhia das Letras, 2011.

       Hemingway, de quem F. Scott Fitzgerald era amigo pessoal, popularizou o termo “geração perdida” criado por Gertrude Stein para descrever os jovens adultos que alcançaram a maioridade durante a Primeira Guerra Mundial e viveram os roaring twenties (em tradução livre, vigorosos anos 20). Esta geração foi definida, principalmente, pelo desejo de romper com as tradições. Em seu romance mais famoso, O Grande Gatsby, Fitzgerald debruça-se sobre uma das ideias que inspiravam, atormentavam e fascinavam sua geração: o sonho americano.
            O Grande Gatsby é um romance narrado por Nick Carraway, jovem veterano da guerra que acaba de se mudar para uma nova vizinhança em Nova Iorque graças à uma oportunidade de trabalho. Assim que se estabelece, Nick retoma contato com sua prima, Daisy, e o marido dela, Tom Buchanan. Nessas visitas conhece também Jordan Baker, proeminente tenista com quem começa um relacionamento.
            Nick logo descobre que a área em que estabeleceu residência é bem conhecida na cidade graças às festas que seu vizinho, Jay Gatsby, dá. Dono de uma impressionante mansão, Gatsby periodicamente organiza celebrações impressionantes em seu requinte e ostentação, apesar de não ser um participante entusiástico delas. Observa-as de fora, o que só alimenta ainda mais a curiosidade a respeito de sua figura misteriosa. Nick  recebe um convite para uma das festas e lá reencontra Jordan e descobre que seu vizinho e Daisy foram apaixonados no passado.
            São expostos, então, os relacionamentos entre as personagens. Gatsby aproxima-se de Nick e consegue finalmente uma entrada para o círculo social de Daisy. Apesar de possuir dinheiro, Gatsby mantem-se um forasteiro ao universo do qual deseja fazer parte. Conforme estabelece com Nick uma relação de amizade, é revelado como Gatsby conseguiu ascender socialmente e porque, afinal, preocupa-se tanto com suas festas. Seu longo diálogo é marcado pelo jeito caricato de falar e sua história de vida e sonhos contrastam com a superficialidade afetada dos outros personagens.
            O Grande Gatsby é comentário ácido sobre relações de classes. Aos personagens de berço de ouro resta uma covardia imensa de sair do conforto, mesmo quando esse conforto não traz felicidade concreta. A filha de Daisy e Tom, praticamente ignorada pelos pais, traz a promessa de que a alienação que permite que essas pessoas mantenham-se onde estão deverá continuar a existir. Por outro lado, Gatsby mostra que não há redenção para quem luta pela ascensão social a qualquer custo, pois o dinheiro traz também a corrupção do espírito jovem que acaba tornando-se inescrupuloso.
Se o personagem de Nick é estranhamente otimista para alguém que viu a Guerra – mas talvez assim tenham sido os jovens de classe média de sua geração – quando percebe a dura realidade social por meio do relacionamento com seus amigos, e em especial com Gatsby, começa a ter uma visão mais pessimista do mundo. O sucesso deixa de parecer uma equação simples em que esforço e inteligência resultam em felicidade.
A prosa de Fitzgerald é bem calculada e sabe ser pomposa na medida em que sua narrativa de aparência versus realidade pede, evitando exageros despropositados e encontrando um de seus maiores trunfos na construção de vozes convincentes para seus diferentes personagens. O enredo intercala momentos mais calmos e reflexivos com momentos de ação intensa, mantendo um ritmo que prende o leitor e, junto com o tema principal, explicam facilmente a longevidade do romance.
            
Nota: ♥♥♥♥

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Wide Sargasso Sea, Jean Rhys

Título: Wide Sargasso Sea
Autor: Jean Rhys
Edição: Penguin Books, 2000.

              Wide Sargasso Sea foi publicado pela primeira vez em 1939 por Jean Rhys. A obra foi o resultado de anos de trabalho e conseguiu boa recepção de público e crítica. O romance serve como prólogo para a obra Jane Eyre, clássico da autora britânica Charlotte Brontë. Wide Sargasso Sea funciona também independentemente, porém o cuidado da autora para que a sequência de eventos de uma obra possa realmente dar origem à outra, além do fato de se debruçar sobre as origens de uma das personagens tipo mais interessantes da Literatura, conhecida como the mad woman in the attic – em uma tradução livre, a mulher louca em um porão – permitindo-lhe ter voz dentro da narrativa fazem com que o romance de Jean Rhys só se beneficie pela leitura prévia do clássico de Brontë.
            O enredo conta a história de Antoinette desde sua infância nas fazendas de sua família situada na Jamaica. Após abolição da escravidão, os Cosway enfrentam uma situação precária que só não é crítica graças aos funcionários que se recusam a abandonar a fazenda mesmo com a possibilidade de liberdade.  A família encontra-se em péssimas condições financeiras, em especial após a morte do patriarca causada pela excessos com álcool.
            A mãe de Antoinette não consegue cuidar sozinha da família – que conta também com Pierre, um menino de saúde extremamente frágil – pois além de não possuir meios sequer para cuidar de si mesma, é ignorada pela elite branca da cidade. Os locais, por sua vez, também hostilizam os Cosway. A infância de Antoinette é marcada pela solidão e sensação de rejeição.
            A vida dos Cosway começa a mudar quando Anette conhece Sr. Mason, homem rico que se encanta por ela e a pede em casamento. A vida na fazenda passa a ser mais confortável e um breve período de paz acontece. Apesar disso, Sr. Mason é uma figura opressiva que se recusa a ouvir opiniões dos outros. As tensões na região começam a crescer e a população negra torna-se progressivamente mais agressiva em relação aos brancos, porém Mason ignora os perdidos da mulher e decide ficar.
            A situação torna-se insustentável quando as promessas de violência tornam-se realidade. A propriedade em que Antoinette cresceu é incendiada e a família escapa por um triz – porém, não sem consequências. Pierre não sobrevive, Anette perde o controle e enlouquece e a pequena Antoinette pede para ficar na Jamaica, em um internato, enquanto Mason decide finalmente partir para Inglaterra.
            Lá Antoinette passa a adolescência. O ambiente austero e rígido torna-se, pouco a pouco, um lugar de segurança para a menina, em especial pela possibilidade de isolamento que traz. Seu padrasto só exige seu retorno quando a moça alcança a idade de casamento.
            Aos dezessete anos, depois de uma vida marcada por eventos traumáticos e isolamento quase total, Antoinette hesita. Seu casamento é arranjado por interesses financeiros de ambas as partes e a enche de terror, mas poucas são as possibilidades para uma moça em sua situação e só lhe resta aceitar.
            O relacionamento com seu marido é marcado, novamente, pela sensação de rejeição. O jovem inglês estranha a região, a casa, os funcionários... e acaba, por fim, também alienando sua esposa. Antoinette fica perdida, desejando pelos primeiros dias de casamento em que para seu marido bastava-lhe sua beleza. A jovem começa a ressentir, em especial, a insistência de seu esposo de chamá-la de Bertha, nome dado sem explicações.
            Após uma discussão agressiva, Antoinette é levada para a Inglaterra, onde passa a ser tratada como louca e isolada totalmente. Aos poucos, a razão começa a escapar-lhe, porém o desejo de fuga mantém-se firme, culminando no incêndio da mansão de Rochester que acontece em Jane Eyre.
            O período histórico e cenário do romance amplificam a sensação inerente de Antoinette de não pertencer a nada. Vista como uma estranha tanto para as pessoas da região quanto para os britânicos, abandonada desde pequena pelos pais e uma estranha para o próprio marido, a jovem é predestinada a falhar em comunicar seus desejos – Antoinette quer, mas não consegue, demandar amor e compreensão das pessoas com quem convive – o que resulta na loucura. A infância, a estrutura social, a instituição da Igreja e do casamento silenciam cada vez mais a jovem.
            Como Antoinette é também a principal narradora, as consequências de seu isolamento são refletidas pelo seu recontar dos fatos que vai se tornando progressivamente mais turvo conforme a narrativa avança e seu isolamento se intensifica. Também são narradores Rochester, que oferece a visão do estrangeiro da região, seus costumes, hábitos e mesmo modo de falar e, por fim, Grace Poole,  empregada responsável por cuidar de Antoinette na Inglaterra.
            Wide Sargasso Sea parte de uma proposta que oferece mais fracassos do que sucessos à Literatura – imaginar o passado de um personagem já inventado – porém é bem sucedido graças ao tom acertado e escolhas interessantes de sua autora. A atmosfera opressora contrasta perfeitamente com as ensolaradas e abertas paisagens jamaicanas, culminando na ida para a sombria Londres. Profunda reflexão sobre a condição feminina na sociedade e as questões raciais e de classe pós-colonialistas, é um romance que vale a si mesmo e, acertadamente, foge à superficialidade que a trama poderia ganhar em mãos menos talentosas.

Nota: ♥♥♥♥