Título: A mulher calada:
Sylvia Plath, Ted Hughes e os limites da biografia
Autora: Janet Malcolm
Tradutor: Sérgio Flaksman
Edição: São Paulo: Companha das Letras - Companhia de Bolso, 2012.
Sylvia Plath foi uma autora americana de poesia e prosa
famosa por seu estilo intimista, atmosférico e por seu lirismo rico. O tom confessional e os
detalhes autobiográficos que Plath inseria em sua obra tornaram-na,
postumamente, objeto de intenso escrutínio. Detalhes de sua vida com seu
marido, o poeta laureado Ted Hughes, e sua batalha desde a infância com a
depressão fomentaram o mito de sua morte - um suicídio explorado em detalhes
não só pela mídia, mas também dentro do meio acadêmico. A publicação de seus
diários e as omissões feitas por Hughes, que além de editá-los, não escondeu
ter destruído alguns dos cadernos mantidos por sua esposa só alimentaram a
curiosidade pública sobre Plath.
Janet
Malcolm propõe com seu livro um estudo focado não em Sylvia Plath, mas sim nas
narrativas que a envolvem e sua jornada tentando decrifrá-las. Para tanto
precisa da aprovação dos Hughes. Ted e sua irmã, Olwyn, angariaram ao lidar com
estudiosos que desejavam revisitar os espólios literários de Plath uma péssima
reputação. Malcolm é compreensiva e busca estabelecer uma visão neutra,
refletida em sua escrita que evita trazer suas próprias impressões. Apesar
disso, é recebida com desconfiança.
Ao mesmo tempo, a questão da biografia
enquanto gênero e suas limitações – afinal, tudo que Janet Malcolm pode nos
trazer em sua tentativa de imparcialidade ainda é marcado por suas impressões
pessoais – surge como uma das principais discussões propostas pelo livro.
Sylvia Plath é, de fato, exemplo perfeito da impossibilidade de impedir que
animosidades despertadas por sua figura influenciem os inescapáveis julgamentos
dos quais o biógrafo não pode escapar.
A autora tem consciência disso, o
que a leva a admitir simpatizar com Ted Hughes, mesmo consciente de que o poeta
mostra-se na mesma medida esquivo quando possível e solícito quando vantajoso,
uma combinação frustrante tanto para o leitor quanto para a Malcolm.
A pesquisa de Janet Malcolm é
sólida e nos apresenta seus encontros com as principais figuras da vida de
Plath de forma interessante. Mesmo em seus esforços para compreender os Hughes,
a autora não consegue disfarçar que encontra em seu caminho diversas forças antagônicas,
a começar por Olwyn. Diante de tanta oposição, não parece estranho que a
resposta de alguns estudiosos seja a adoração exagerada de Plath.
A questão do gênio poético de
Plath é, talvez, o ponto mais interessante da biografia. Sua obra poética é complexa e rica o suficiente para clamar
independência da figura de sua autora. Porém, parece frustrantemente impossível para os leitores, acadêmicos e mesmo para Hughes enquanto poeta e
editor escaparem dessa armadilha. A academia muito discutiu o silenciamento da
voz poética de Plath que fez parte das tentativas de Ted de manter sua vida
privada longe do alcance de estudiosos. Janet Malcolm racionaliza os motivos
por trás disso e deixa para seu leitor decidir se preservar os vivos, em
especial os dois filhos do casal, é um motivo razoável para justificar as
escolhas, por vezes inconsistentes, dos Hughes.
Não há duvidas de que questões
interessantes são levantadas e episódios relevantes descritos com tato, porém o
livro atenta mais aos irmãos Hughes e sua relação com os biógrafos de Plath do que
para a própria poeta. O desprezo dos
Hughes pelas leitoras de Plath faz com que o leitor já intua certa necessidade
de equilíbrio que acaba faltando na obra. O retrato que os Hughes desejam
pintar fica claro: uma mulher geniosa, atormentada por seus problemas mentais
que tornavam difícil a convivência. Ao leitor, cabe pensar e decidir por si so:
será que buscar Ted, por mais que seja possível compreender sua posição, é mesmo
o melhor caminho para entender sua esposa? O mesmo Hughes que parece incapaz de
entender e diferenciar a voz poética de sua esposa, rejeitando-a? Será que o
ressentimento pelos poemas de Plath que sobrevivem com mais força terem sido
produzidos durante o período em que Ted abandonou sua família o permite
enxergar a questão com clareza?
Janet Malcolm pouco investiga sobre a vida de Sylvia antes do casamento e da
mudança para a Inglaterra e peca por não lhe dar mais autonomia em sua própria
narrativa. Plath é a capa do livro, mas o recheio é a questão – brilhantemente
abordada – da escrita de não-ficção e seus limites.
Nota: ♥♥♥