terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Sharp Objects, Gillian Flynn

Título: Sharp Objects
Autora: Gillian Flynn
Edição: Shaye Areheart Books, 2006.

[Aviso aos navegantes: tentei ser o mais vaga possível, mas essa resenha acaba entregando alguns pontos importantes do livro.]

Gillian Flynn é autora de romances de suspense e crítica de televisão para a Entertainment Weekly, uma das principais publicações norte-americanas da área. Sua primeira obra publicada foi Na própria carne (Sharp Objects), em 2007. O romance Garota Exemplar (Gone Girl, 2012) catapultou a carreira da autora, que assinou também o roteiro da adaptação cinematográfica dirigida por David Fincher de 2014 com Ben Affleck e Rosamund Pike nos papéis principais.
            Sharp Objects é narrado por Camille Preaker, uma jornalista que recebe a missão de cobrir uma série de assassinatos cujas vítimas são meninas em sua cidade natal. Após anos em Chicago, ela deve retornar para Wind Gap, uma pequena cidade interiorana onde seu nome é sinônimo de um pequeno império: sua mãe herdou uma lucrativa criação de porcos e uma bela casa vitoriana.
            Camille vai aos poucos retomando contato com pessoas do seu passado – sua opressora mãe, Adora, sua meia irmã Amma,  e suas amigas do colegial – além aproximar-se do policial responsável pelo caso, Richard. Conforme Camille vai avançando em suas investigações e em seus relacionamentos pessoais, a resposta para o mistério local vai se tornando cada vez mais óbvia: o verdadeiro desafio para a protagonista é empoderar-se o suficiente para encarar os fatos e fazer o que precisa ser feito. Os sentimentos conflitantes causados pela morte de sua irmã mais nova voltam a persegui-la, a rejeição de sua mãe e a sensação de estranhamento causada por seu status de bastarda na família (Camille é o resultado de um relacionamento de sua mãe durante a adolescência e jamais conheceu seu pai) tornando-a cada vez mais instável.
            É acertada a escolha da autora em focar em sua protagonista e nas personagens que povoam seu universo ao invés de tentar confundir o leitor o tempo todo – e é justamente por isso que a guinada nos capítulos finais parece despropositada e apressada, com a única finalidade de surpreender o leitor. Adora e sua cidade – ou melhor, seu reino -  são fruto metade dos contos de fada, metade das narrativas góticas e um verdadeiro trunfo da autora: há algo verdadeiramente perturbador na ideia da figura materna como fonte de horror e é isso que faz com que, apesar de irregular, Sharp Objects seja um romance cativante.
            Flynn também procura aqui deixar clara sua proposta como autora. Seu interesse está em explorar vilã, mulheres perturbadoras e mulheres perturbadas. Ao longo da investigação é repetido constantemente que mulheres não comentem o tipo de assassinato que estamos acompanhando. As relações entre as personagens femininas são manipulativas e tóxicas. Amma e suas amigas, meninas que acabaram de entrar na adolescência, são maliciosas. As mulheres não são apresentadas como inocentes, acolhedoras  ou covardes – talvez esse papel caiba mais aos homens, como Richard, o editor do jornal onde a protagonista trabalha e o padrasto de Camille. São mulheres que colocam a narrativa em ação e mulheres que encontram as respostas, mas elas não são boas mulheres.
            Se é fascinante ver uma autora ter coragem de usar todos esses esteréotipos negativos da figura feminina que existem no inconsciente coletivo, é também atividade exige um equilíbrio delicado que, às vezes, a autora perde. Na mídia, as mulheres tem sua complexidade ignorada, sendo previsiveis e superficiais em sua construção.  As personagens femininas de de Flynn usam essa aparente falta de complexidade como uma máscara para manipular sua audiência e escapar de seus crimes.
             A obra da autora consegue ser de fácil consumo graças à uma prosa objetiva, mas cativante e obtém amplo alcance justamente por lidar com essas questões de gênero raramente articuladas em nossa sociedade. Em certo ponto do romance, Amma, a adolescente complicada, abandonada à própria sorte entre homens que a objetificam apesar de seus treze anos e uma mãe que a vitimiza – recusando-se, também, a enxergar sua humanidade, afirma em certo ponto do romance: “Sometimes if you let people do things to you, you're really doing it to them.  Ela acaba, por fim, a ser vítima e algoz ao mesmo tempo, além de qualquer salvação graças ao condicionamento que a torna incapaz de conexões reais. Está aí o ponto de partida da obra de Gillian Flynn.

Nota: