domingo, 24 de agosto de 2014

The Secret History, Donna Tartt

Título: The Secret History
Autor: Donna Tartt
Edição: Penguin, Kindle Edition, 2011

           Donna Tartt é autora norte-americana e a recipiente do Pulitzer de 2014 por seu mais recente romance, The Goldfinch. Sua obra de estréia é The Secret History (em português, A história secreta, publicado pela Companhia das Letras) data de 1992 e causou forte impressão na crítica e no público.
            O famoso prólogo de Tartt funciona como um início in media res para o livro e, a partir do momento que sabemos o evento trágico que afetará o narrador, o calouro Richard Papen, resta descobrir o que leva a esse acontecimento e quais as consequências dele.
            Richard abandona a Califórnia, onde nasceu e foi criado por uma família relativamente humilde em que nunca se sentiu confortável, para estudar em Vermont. Abandona o plano de cursar medicina e tenta matricular-se em grego antigo, porém seu pedido de matrícula é negado. Descobre, por meio de seu professor de francês, que os alunos de grego fazem parte de um grupo curioso da faculdade organizado em torno do professor Julian. Ele aceita somente uma meia dúzia de estudantes que obrigatoriamente deverá cursar todas as disciplinas por ele ministradas. O resultado é uma experiência universitária isolada que afasta muitos alunos, porém a figura pitoresca do professor além do fascínio por seus jovens e misteriosos discípulos convencem Richard a insistir mais uma vez.
            Richard consegue, finalmente, sua admissão e passa a se enturmar com seus poucos colegas de classe. São eles Henry, um rapaz quieto e genial que domina uma porção de línguas; os belíssimos gêmeos Charles e Camilla; o jovem esportista Bunny e o extravagante Francis, cuja casa de campo torna-se palco de diversos finais de semana dos jovens. Todos agem como se fossem ricos – embora alguns sejam mais do que outros – e, exceto pelo novo aluno de Julian, conhecem-se há tempos. Richard, desejando impressionar os jovens que tanto o impressionam, inventa diversas mentiras para encobrir seu passado simples e consegue fingir também ser parte do universo dos amigos.
            A revelação feita no prológo é escolha perfeita para a atmosfera fortemente influenciada pelo pensamento grego que permeia a trama. A sensação de que as personagens caminham para a fatalidade ecoa a ideia  grega do destino como inescapável. A vida de Bunny é uma farsa, e ele mantém seu status graças aos amigos mais privilegiados do que ele; Henry é dono de uma mente calculista, fascinada pelas ideias “frias” dos clássicos que tanto aprecia ler; os gêmeos possuem uma relação marcada pela codependência e abuso muito mais complexa do que as aparências indicam; Francis aceita ser manipulado para manter a condição financeira oferecida por sua mãe, a quem despreza.
            Richard, por sua vez, é um narrador que desperta a desconfiança do autor. Seus relacionamentos são marcados por uma incapacidade de envolvimento real e sua obsessão por aparentar ser alguém erudito e sofisticado a qualquer custo o tornam indigesto para o leitor. Em certos momentos, revela pensamentos que o tornam abertamente repulsivo – especialmente no que tange seu desejo por Camilla e sua relação com a estudante californiana de artes cênicas, Judy. Aos poucos, sua participação nos eventos finais torna-se cada vez mais compreensíveis – e sua dificuldade para compreender os impulsos de Henry também.
            Tartt, no entanto, consegue centrar sua narrativa em um personagem desagradável sem prejudicar o fascínio que ela exerce no leitor – pelo contrário. A obsessão dos jovens com rituais dionísicos e com a ideia introduzida por Julian de que o que é belo causa também terror fazem parte de toda a narrativa graças à sua prosa elegante. Esse bom gosto ao narrar um crime reflete a possibilidade constantemente explorada pela obra da convivência entre o refinamento e a violência.
            É particularmente revigorante pensar que o romance é centrado em torno da faixa etária mais cobiçada pelo mercado editorial nas últimas duas décadas – os jovens adultos – porém não é uma obra feita com o intuito de agradar especificamente a esse público, o que a maioria dos autores procura fazer subestimando seus leitores. The Secret History recusa-se a acelerar seu ritmo, intercalando momentos de ação com momentos em que seus personagens preocupam-se com coisas tão prosaicas quanto a lição de casa a ser entregue. Os jovens que aparecem aqui são seres totalmente desenvolvidos: capazes, inteligentes, conscientes de certo e errado e ao mesmo tempo fascinados o suficiente com o prazer do discurso – como bons discípulos dos gregos antigos – para caminhar a linha tênue entre os dois enquanto discutem o que é heroísmo ou o desejo de imortalidade. Ao mesmo tempo, estão isolados do universo adulto de fato, e é por isso que sucumbem perante as consequências de suas ações. A leitura é uma caminhada trágica, porém bela. 

Nota: 

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Nu, de botas, Antonio Prata

Título: Nu, de botas
Autor: Antonio Prata
Edição: Companhia das Letras, São Paulo: 2013. 1ª edição.

            Antonio Prata é escritor paulista. Versátil, trabalha com roteiros para cinema e televisão além de uma coluna na Folha de São Paulo. Já publicou uma coletânea de crônicas chamada Meio intelectual, meio de esquerda cujo título é o mesmo de um de seus textos mais. Em Nu, de botas, Prata apresenta reminiscências de sua infância na São Paulo dos anos 80 de forma bem humorada.
            Com mais jeito de livro de memórias do que qualquer outra coisa, a obra é catalogada como uma coleção de crônicas e, embora todos os textos funcionem individualmente, a leitura completa obedecendo a ordem apresentada na edição é definitivamente a mais proveitosa. Alguns personagens e episódios são recorrências discretas, tornando-se espécie de running gags - piadas cujo efeito cômico torna-se cumulativo com sua repetição constante, mais comuns à linguagem cinematográfica e da televisão do que à literária.
            As crônicas são leves, engraçadas, abordadas com o intuito de  explorar o ponto de vista do Antonio criança (ficcionalizado, é claro). Tratam de pequenos eventos marcantes – as brincadeiras das crianças do bairro, o divórcio dos pais, a alfabetização, os animais de estimação, a chegada da irmã – conseguindo um equilíbrio impressionante entre a consciência do exagero infantil e o entendimento que ele é fruto do estranhamento do mundo que a infância proporciona.
            Merecem destaque “Ca ce ci co çu”, brilhante reflexão linguística sobre o poder subversivo de algumas palavras na visão infantil que cria uma divertida quebra de expectativa para o protagonista e “Banhos”, um hilário episódio de descoberta assombrosa sobre a sexualidade.
            Antonio Prata consegue segurar o tom leve de sua obra e raramente derrapa para um humor mais crasso – mesmo navegando no universo infantil onde o humor escatológico, por exemplo, é tão recorrente. O ponto baixo é, sem dúvidas, “Patos”, que tenta trazer humor para um momento que revela um pouco mais do que a simples ignorância infantil que seu autor coloca em primeiro plano.
            Apesar disso, é inegável a competência de Antonio Prata e suas reminiscências sobre a infância são particularmente agradáveis para aqueles que viveram os anos 80.

Nota: