Autor: Donna Tartt
Edição: Penguin, Kindle Edition, 2011
Donna Tartt é autora
norte-americana e a recipiente do Pulitzer de 2014 por seu mais recente romance,
The Goldfinch. Sua obra de estréia é The Secret History (em português, A história secreta, publicado pela
Companhia das Letras) data de 1992 e causou forte impressão na crítica e no
público.
O
famoso prólogo de Tartt funciona como um início in media res para o livro e, a partir do momento que sabemos o
evento trágico que afetará o narrador, o calouro Richard Papen, resta descobrir
o que leva a esse acontecimento e quais as consequências dele.
Richard
abandona a Califórnia, onde nasceu e foi criado por uma família relativamente
humilde em que nunca se sentiu confortável, para estudar em Vermont. Abandona o
plano de cursar medicina e tenta matricular-se em grego antigo, porém seu
pedido de matrícula é negado. Descobre, por meio de seu professor de francês,
que os alunos de grego fazem parte de um grupo curioso da faculdade organizado
em torno do professor Julian. Ele aceita somente uma meia dúzia de estudantes que
obrigatoriamente deverá cursar todas as disciplinas por ele ministradas. O
resultado é uma experiência universitária isolada que afasta muitos alunos,
porém a figura pitoresca do professor além do fascínio por seus jovens e
misteriosos discípulos convencem Richard a insistir mais uma vez.
Richard
consegue, finalmente, sua admissão e passa a se enturmar com seus poucos
colegas de classe. São eles Henry, um rapaz quieto e genial que domina uma
porção de línguas; os belíssimos gêmeos Charles e Camilla; o jovem
esportista Bunny e o extravagante Francis, cuja casa de campo torna-se palco de
diversos finais de semana dos jovens. Todos agem como se fossem ricos – embora
alguns sejam mais do que outros – e, exceto pelo novo aluno de Julian, conhecem-se
há tempos. Richard, desejando impressionar os jovens que tanto o impressionam,
inventa diversas mentiras para encobrir seu passado simples e consegue fingir também ser parte do universo dos amigos.
A
revelação feita no prológo é escolha perfeita para a atmosfera fortemente
influenciada pelo pensamento grego que permeia a trama. A sensação de que as personagens
caminham para a fatalidade ecoa a ideia
grega do destino como inescapável. A vida de Bunny é uma farsa, e ele mantém
seu status graças aos amigos mais
privilegiados do que ele; Henry é dono de uma mente calculista, fascinada pelas
ideias “frias” dos clássicos que tanto aprecia ler; os gêmeos possuem uma
relação marcada pela codependência e abuso muito mais complexa do que as
aparências indicam; Francis aceita ser manipulado para manter a condição financeira
oferecida por sua mãe, a quem despreza.
Richard,
por sua vez, é um narrador que desperta a desconfiança do autor. Seus
relacionamentos são marcados por uma incapacidade de envolvimento real e sua
obsessão por aparentar ser alguém erudito e sofisticado a qualquer custo o
tornam indigesto para o leitor. Em certos momentos, revela pensamentos que o
tornam abertamente repulsivo – especialmente no que tange seu desejo por
Camilla e sua relação com a estudante californiana de artes cênicas, Judy. Aos
poucos, sua participação nos eventos finais torna-se cada vez mais
compreensíveis – e sua dificuldade para compreender os impulsos de Henry
também.
Tartt,
no entanto, consegue centrar sua narrativa em um personagem desagradável sem
prejudicar o fascínio que ela exerce no leitor – pelo contrário. A obsessão dos
jovens com rituais dionísicos e com a ideia introduzida por Julian de que o que
é belo causa também terror fazem parte de toda a narrativa graças à sua prosa
elegante. Esse bom gosto ao narrar um crime reflete a possibilidade constantemente
explorada pela obra da convivência entre o refinamento e a violência.
É
particularmente revigorante pensar que o romance é centrado em torno da faixa
etária mais cobiçada pelo mercado editorial nas últimas duas décadas – os
jovens adultos – porém não é uma obra feita com o intuito de agradar
especificamente a esse público, o que a maioria dos autores procura fazer
subestimando seus leitores. The Secret
History recusa-se a acelerar seu ritmo, intercalando momentos de ação com
momentos em que seus personagens preocupam-se com coisas tão prosaicas quanto a
lição de casa a ser entregue. Os jovens que aparecem aqui são seres totalmente
desenvolvidos: capazes, inteligentes, conscientes de certo e errado e ao mesmo
tempo fascinados o suficiente com o prazer do discurso – como bons discípulos
dos gregos antigos – para caminhar a linha tênue entre os dois enquanto
discutem o que é heroísmo ou o desejo de imortalidade. Ao mesmo tempo, estão isolados
do universo adulto de fato, e é por isso que sucumbem perante as consequências
de suas ações. A leitura é uma caminhada trágica, porém bela.
Nota: ♥♥♥♥♥