terça-feira, 26 de abril de 2016

Norte e Sul, Elizabeth Gaskell

Título: Norte e Sul
Autor: Elizabeth Gaskell
Tradução: Carlos Duarte e Anna Duarte
Edição: São Paulo: Martin Claret, 2015.

            Norte e Sul surgiu como um folhetim em 1845, na Household Words, revista cujo editor era Charles Dickens e, em 1855, foi revisto e publicado em sua forma final. Elizabeth Gaskell é um nome indiscutivelmente relevante da literatura da Era Vitoriana e em seu romance há uma clara preocupação com entender as relações sociais de forma a solucionar seus conflitos.
            Margaret Hale é uma jovem de família com certo status social e viveu boa parte de sua infância e adolescência em Londres, com uma tia rica. Apesar disso, sua família possui meios mais limitados uma vez que o casamento de sua mãe com um paróco foi financeiramente desvantajoso e motivado pela afeição genuína. Ao retornar para o interior, descobre que o ídilio bucólico com o qual fantasiava tanto, Helstone, logo será abandonado: a fé de seu pai oscila e ele decide abandonar seu cargo como pastor. A única alternativa para a família é mudar-se para o poluído e industrial Norte, mais especificamente a fícticia cidade de Milton.
            Lá, Margaret vê seus recursos financeiros escassos e seu círculo social extremamente limitado. Motivada por suas obrigações filiais, Margaret busca apaziguar o gênio difícil da sua mãe e ser compreensiva com seu pai, apesar de sentir dificuldades em aceitar seus questionamentos religiosos. Ele trabalha agora como professor e logo trava uma amizade com Mr. Thorton, industrial da área que deseja retomar os estudos dos clássicos abandonados devido às demandas do trabalho. Thorton é bem sucedido, obstinado e perspicaz e logo passa a frequentar a residência dos Hale.
            Apesar de perspicaz, Thorton não parece ser o suficiente para entender que suas constantes discussões com a filha de seu professor não são mero flerte e que o interesse de Margaret não é alimentado pelas visões de mundo contrastantes que os leva a discutir. A principal tese do romance, expressa pela sua personagem central, é a crença na conciliação entre a classe trabalhadora e os detentores dos meios de produção por meio da atitude cristã de olhar pelo outro e tratá-lo com dignidade, reconhecendo a situação de dependência em que ambos se encontram, enquanto Thorton considera absurdo prestar conta de seus planos e visões com qualquer pessoa.
            Enquanto uma greve dos trabalhadores ocorre em Milton, a doença de Mrs Hale aflige a família de Margaret. Tanto Thorton quanto Margaret acabam tornando-se um para o outro uma fonte de apoio quando menos esperam, embora um episódio em que o injustiçado irmão de Margaret visita escondido a família para despedir-se da mãe – certamente um lembrete de Gaskell de que as autoridades não são inquestionáveis – e a lembrança da primeira rejeição torturam os sentimentos de Thorton, mas também cimentam o relacionamento.
            Margaret é uma mocinha sofredora, como manda o figurino. É também de inteligência viva e princípios que despertam o respeito de todos à volta, o que impede que o romance caía no marasmo mesmo quando as reviravoltas são manipulativas, uma vez que o foco da narrativa em terceira pessoa está principalmente em seus pensamentos e sentimentos. A análise social proposta pelo romance é limitada, no entanto, pela insistência na solução religiosa – embora a figura de Mr. Hale e seus conflitos insinue uma redenção dessa falha, o destino para o qual ele encaminha sua família deixa clara a lição de moral planejada pela autora.

            Um típico romance social da Era Vitoriana, Norte e Sul garantiu, indiscutivelmente, o lugar de sua autora na História da Literatura britância e vale a leitura para quem busca conhecê-la.


Nota:  ❤❤❤

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Minha vida de menina, Helena Morley

Título: Minha Vida de Menina
Autor: Helena Morley
Edição: São Paulo, Companhia das Letras, 1998

            Minha vida de menina é o único livro de Helena Morley, pseudônimo de Alice Dayrell Caldeira Brant, o que só aumenta o fascínio em torno dele. Trata-se de uma coletânea de entradas do diário que a autora manteve, incentivada pelo pai, durante a sua meninice na Diamantina de 1893 até 1895 e que foram posteriormente organizadas para a publicação pela primeira vez em 1942. A obra é considerada uma pitoresca representação da vida do interior mineiro e sua prosa despojada parece adiantar a proposta modernista, o que fez com que alguns críticos considerarem uma revisão posterior por parte da autora. 
            Helena narra uma vida simples com seus pais, irmão e irmã em uma casa no campo, próxima também da propriedade de sua abastada avó que a tem como neta favorita. Apesar disso, as condições da família são bastante precárias, uma vez que seu pai trabalha com mineração e os rendimentos oscilam de acordo com sua sorte.
            Não há tanto espaço assim para sofrimentos na mente ativa de Helena e ela é uma figura carismática para o leitor tanto quanto para seus familiares – é inteligente e vivaz, afeita ao trabalho que a mantenha ocupada, em especial o físico e de uma sinceridade cômica e mal contida. Apesar das restrições da época, Helena é incentivada por sua família a seguir pensando independentemente e é admirada por todos por sua inteligência.
            As memórias aqui retratadas permitem uma visão interessante das relações sociais em um país em que o fim do regime escravocata era recente e em que a corrida do ouro perdia o gás. As relações de dependência entre as classes sociais, as superstições locais, as relações familiares ameaçadas pelos conflitos ocasionados pelo dinheiro e pela competitividade e o espírito não-conformista de Helena fazem com que as entradas tenham um tom de lição, encerradas sempre por meio de uma observação afiada, questionando a ordem das coisas. Ao longo do livro, acompanhamos a vida da protagonista e seu desenvolvimento,  o que o aproximando também de um romance de formação, apesar de ser um diário.
            Ainda sobre a obra, Roberto Schwarz escreveu o brilhante ensaio “Outra Capitu” em que analisa como o caráter progresssista das relações sociais descritas na obra – preconceitos, superstição e costumes são alvo da análise implacável de Helena – deve-se, principalmente, ao momento ecônomico do país que incentivou um afrouxamento na centralização do poder patriarcal, além da influência protestante exercida pelo lado inglês da família Morley. Schwarz aponta as semelhanças entre as origens de Helena e Capitu em um ensaio que vale a leitura para os interessados nas representações literárias deste período histórico do Brasil.
            A prosa episódica, objetiva e sem rodeios é cativante e consegue manter a atenção do leitor – o suficiente para, também, dispertar a interessante discussão sobre o quanto dela é produto da espontaniedade infantil e quanto é artifício. Ao mesmo tempo, é uma leitura que atinge um amplo público, com potencial para agradar aos mais novos também. A escrita de Helena Morley consegue retratar de maneira colorida um período intenso pelo qual as meninas passam, coincidindo aqui com um período intenso de nosso país. Com sua entrada na lista de livros obrigatórios da FUVEST, podemos contar com seu retorno às livrarias. 

Nota: ❤❤❤❤