quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Histórias Extraordinárias, Edgar Allan Poe

Título: Histórias Extraordinárias
Autor: Edgar Allan Poe
Tradução: Clarice Lispector
Editora: Nova Fronteira (Saraiva de Bolso)
Edição: 1ª ed., Rio de Janeiro, 2011.


     Histórias Extraordinárias é uma coletânea de contos escritos pelo autor norte-americano Edgar Allan Poe que demonstra seu alto grau de reflexão sobre a arte da escrita em suas realizações eficientes. Em vida, Poe destacou-se em seus textos de crítica literária que demonstravam uma visão clara e informada que viria a ser definidora também de sua obra literária.
     A ideia de eficiência é uma constante para o autor, como o ensaio A filosofia da Composição permite-nos perceber. Poe acredita na construção cuidadosa, metódica e atenta de cada obra literária para que seja alcançado o efeito desejado por seu autor. Para isso, além de escolher cuidadosamente os elementos integrantes que enriqueçam o tema ou motivo escolhido como objeto– o cenário, os personagens, os símbolos – deve-se também atentar para a extensão do texto, uma vez que uma leitura interrompida tende a diluir o efeito a ser alcançado pelos recursos empregados. Sua obra é considerada parte da resposta norte-americana ao Romantismo europeu conhecida como a Literatura Gótica norte-americana. Os autores desse movimento literário aproveitavam das origens puritanas do país e das ansiedades despertadas pela sociedade em mudança para construir suas narrativas que lidavam com o lado obscuro da sociedade.
     É por isso que vemos em Histórias Extraordinárias uma série de contos curtos na extensão total e também na extensão dos períodos que os compõem – muitas vezes contando com frases formadas por apenas algumas palavras e que imprimem um ritmo crescente à leitura, criando uma tensão conforme o desfecho se aproxima. É dada preferência ao tom confessional também comum ao Romantismo da época, evidenciado na presença maior de narradores em primeira pessoa cuja incredulidade frente aos fatos narrados ecoa a reação esperada do leitor.
     Poe busca inutilizar o pensamento racional perante as incoerências da natureza – seja por meio de elementos sobrenaturais, seja por meio de personagens obsessivos, que fazem com que seu leitor questione a natureza humana em seu todo. Existe evidente cuidado na construção e manutenção de uma atmosfera opressora e sombria, das quais contos como “O gato preto” e a casa em decadência do personagem principal e “A queda da Casa de Usher”, outro lar destruído, são exemplos perfeitos. O gênero policial é explorado em contos como “Os crimes da rua Morgue” e “O coração denunciador”. As possibilidades da (pseudo)ciência da hipnose são motivo para “O Caso de Valdemar” e “Deus (Revelação Magnética)”. Merecem destaque ainda “William Wilson”, interessante reflexão sobre a identidade individual e “O retrato oval”, uma das reflexões sobre a arte mais interessantes na obra. Os contos são um conjunto de exemplos únicos da possibilidade contida dentro da Literatura que escolhe o terror como causa de sua tensão e de como aproveitá-lo para trabalhar ansiedades humanas como o medo da morte, do incompreensível e do comportamento humano quando esse se apresenta inexplicável. 

Nota: ♥♥♥♥♥

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

O mágico de Oz, L. Frank Baum

Título: O mágico de Oz
Autor: L. Frank Baum
Tradução: Sérgio Flaksman
Editora: Zahar
Edição: 1ª ed., Rio de Janeiro, 2013.

     O mágico de Oz é um dos romances infantojuvenis com o maior número de adaptações da Literatura norte-americana, sendo a adaptação cinematográfica de 1939 e a adaptação musical para a Broadway escrita pelo próprio autor e constantemente reencenada as mais notáveis. O sucesso da obra fez com que o autor, L. Frank Baum, escrevesse mais livros no universo de Oz, que ganhou um total de treze aventuras.
     A narrativa acompanha as aventuras de Dorothy, uma menina órfã que mora com seus tios em pequena e cinzenta casa no Kansas. Um ciclone passa pela região e com ele parte a casa de Dorothy rumo ao desconhecido. A menina acorda em um lugar desconhecido com somente seu cachorrinho Totó como companhia e é informada por munchkins, criaturas parecidas com humanos, mas de estatura baixa, que sua casa foi a causa da morte da Bruxa Má do Leste. Decidida a encontrar uma forma de retornar para casa, decide procurar uma conferência com o grande Mágico de Oz e pedir que indique o caminho.
      Em suas aventuras Dorothy faz amizade com algumas criaturas peculiares: um espantalho recém-criado que deseja um cérebro para poder pensar como os homens, um homem de lata que deseja um coração para poder amar novamente e um leão que deseja coragem para poder se tornar, de fato, o rei da selva decidem acompanhar a menina quando descobrem sua intenção de fazer um pedido ao mago.
     Depois de passar por diversos perigos e aventuras, Dorothy e seus amigos encontram o Mágico que concorda em ajudá-los desde que todos ajudem a pequena Dorothy a matar a Bruxa Má do Oeste. Começa a segunda parte da história, onde os perigos são mais assustadores e os personagens percebem o lado obscuro da terra encantada onde estão. Dorothy cumpre sua missão, mas descobre que o Mágico de Oz não é tão poderoso quanto seus súditos inocentemente acreditavam.
     Baum foca sua narrativa nas ações constantes – curiosamente, a obra foi banida durante certo período de tempo por possuir uma heroína por trás de tanta ação, o que era considerado um mau exemplo para as meninas. O autor investe em um ritmo rápido, nas sentenças simples para prender o leitor e nas imagens marcantes que ganham ilustrações feitas por W. W. Denslow em um estilo marcante e inovador.
     Os desejos muito humanos dos personagens de Baum – serem reconhecidos pela coragem, pela inteligência, sentirem amor marcam a obra que tem como moral a ideia de que é a insegurança que nos impede de experienciar nossos desejos. Não analisar minuciosamente sentimentos e motivações é a prerrogativa desse mundo impelido pela ação e que, por isso, esconde suas mensagens até mesmo de seus protagonistas.
     E é por isso que Dorothy deseja retornar para sua casa, mesmo sabendo que a vida lá não é tão encantada quanto no país de Oz ecoando os sentimentos do leitor jovem que deseja conhecer o encantado mesmo imaginando seus perigos e do leitor mais velho deseja voltar para o país da infância escolhendo ignorar que é a luz da nostalgia que o torna tão convidativo.

Nota: ♥♥♥♥

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Enquanto Agonizo, William Faulkner

Título: Enquanto Agonizo (As I lay dying)
Autor: William Faulkner
Tradução: Wladir Dupont
Editora: L&PM Pocket
Edição: 1ª ed., Porto Alegre, 2009.


     Enquanto Agonizo é um romance do autor norte-americano William Faulkner. Sua escrita é marcada fortemente por suas origens – nascido e criado no Sul dos Estados Unidos, Faulkner inspirou-se na região e em sua identidade cultural para criar a fictícia Yoknapatawpha onde se passam diversas de suas obras, inclusive O som e a fúria, seu romance mais famoso. Sua produção extensa conta com 13 romances, um volume de contos, peças teatrais e créditos como roteirista de cinema. Apesar disso, passou por algumas dificuldades ocasionadas principalmente por sua batalha com o alcoolismo. Foi o interesse de autores franceses como Camus e Sartre que reavivou a discussão em torno de sua obra. Faulkner recebeu um prêmio Nobel por sua colaboração à literatura em 1949, além de ter sido receptor de dois prêmios Pulitzer – um por A fábula e outro por Os invictos, seu último romance.
     O estilo de Faulkner é marcado por um pendão experimental combinado com um olhar meticuloso que resulta em uma prosa vívida e que impõe ao leitor seu ritmo calculado e eficiente. Em Enquanto Agonizo – título que faz referência a um verso da Odisseia de Homero - o autor lança mão do recurso do fluxo de consciência brilhantemente, dando voz à 15 diferentes personagens e, assim, acrescentando detalhes que transformam a narrativa em um vislumbre fascinante da interioridade do ser humano, profundamente marcada por um contexto árido e de privação.
     O romance acompanha a viagem realizada pela família Brunden para realizar o último pedido de Addie, a matriarca: ser enterrada em Jackson, cidade de onde veio e onde estão seus parentes. A família é formada por Anse, o pai que é sempre ajudado por seus vizinhos e aparentemente pouco afeito ao trabalho braçal; Cash, o filho mais velho que trabalha como carpinteiro; Darl, segundo filho do casal que passa por grandes turbulências psicológicas durante a viagem e que é o narrador responsável por mais capítulos; Jewel, fruto de um caso de Addie com pastor Whitfield e que, por isso, destoa de seus irmãos e é o favorito da mãe; Dewey Dell, a única filha mulher que tem uma ligação única com a mãe e é atormentada por uma gravidez indesejada e Vardaman, a única criança da família.
      A narrativa inicia com os preparos da família para cumprir o desejo final de Addie, com Cash preparando com as próprias mãos o caixão da mãe em frente à janela onde ela repousa no leito em que morrerá. Os vizinhos visitam a família para oferecer ajuda, mas com a morte da matriarca, só resta partir de Yoknapatawpha. A família enfrenta a distância aumentada graças à destruição causada pela tempestade que caiu no dia da morte de Addie em uma carroça em condições precárias.
      O tempo da narrativa possui alguma linearidade, porém essa não é rigorosa, uma vez que os personagens lembram-se de acontecimentos passados em flashbacks e mesmo os eventos recentes são constantemente retomados, especialmente quando há mudança do narrador – o que acontece ao término de cada capítulo. Em um dos pontos altos da obra, qualquer pretensão de linearidade é abandonada para dar lugar a um capítulo narrado por Addie em que conhecemos melhor a personagem e sua relação com o marido, os filhos e a vida. Esse capítulo é marcado também por uma pequena, mas fascinante reflexão metalinguística sobre a natureza das palavras e sua inutilidade perante a dureza da vida.
    O autor consegue dar voz distinta a cada uma das personagens e nisso está a maior realização do romance: da voz peculiarmente consciente de Darl a obsessiva repetição de justificativas de Anse, cada personagem possui sua identidade própria e por meio da expressão de sua visão única enriquece o retrato dos Brunden - que permite, por sua vez, uma reflexão profunda sobre a existência humana que faz com que o título de uma das obras mais importantes do século XX seja merecido.

Nota: ♥♥♥♥♥