Autora: Elena Ferrante
Tradução: Maurício Santana Dias
Edição: São Paulo: Biblioteca azul, 2015.
Primeiro
livro de uma série de quatro romances, A
Amiga Genial foi escrito pela italiana Elena Ferrante. Reclusa, Ferrante
recusa-se a dar entrevistas que não sejam escritas e sua foto não consta na
orelha do livro. Ela acredita que é benéfico um certo anonimato do autor para
que a obra seja apreciada, embora essa escolha peculiar tenha, inadvertidamente
ou não, chamado atenção do público.
De
qualquer forma, a escolha da autora faz sentido quando olhamos para o ponto de
partida da narrativa: Lenu é informada do desaparecimento de sua amiga de
infância, Lila. As circunstâncias são ainda mais curiosas: Lila deliberadamente
apagou todos os traços de sua existência da casa que deixou para trás – roupas,
fotos, bens em geral. Lenu intui que o objetivo da amiga é deixar essa
existência para trás e por isso decide documentá-la com o máximo de detalhes possíveis
por meio da escrita.
Nossa
narradora rememora a infância das duas meninas em um bairro suburbano da
Napóles dos anos 50, um período marcado pelo pós-guerra. Ambas são de famílias
de poucos recursos, embora a condição de Lenu seja um pouco melhor tanto
financeiramente quanto à estrutura familiar – uma vantagem que não é tão nítida
assim em um ambiente hostil, competitivo, marcado pelo domínio violento da
mafia e por uma rígida estrutura patriarcal. As meninas crescem juntas,
inseparáveis tanto nas brincadeiras quanto na escola. Lila começa a chamar
atenção por sua inteligência, o que desperta o desejo de Lenu de também ser
admirada, que é uma criança mais bonita e comportada do que a amiga.
Assim,
ambas começam uma silenciosa competição que compreende desde as notas escolares
até ficar frente a frente com um homem temido pelas crianças do bairro. Lenu
admira e inveja a espontaneidade de Lila, ao mesmo tempo que vê-se como seu
oposto, sempre tendo que fazer um esforço para alcançá-la. As diferenças vão
tornando-se ainda mais evidentes com a chegada da adolescência.
Lila
é impedida de seguir com os estudos e Lenu, com muito custo e graças à
intervenção de sua professora, consegue seguir adiante para o ginasial. A puberdade chega e com ela, Lenu vê sua
aparência mudar rápida e intensamente – ganha peso, acne, passa a precisar de
óculos. Enquanto isso, Lila deixa de ser a menina magrela e sua aura
assustadora torna-se um ar misterioso, chamando atenção de todos os meninos do
bairro. Lila tenta ainda acompanhar os estudos da amiga pela biblioteca, fato
descoberto por Lenu acidentalmente, mas eventualmente desiste e entrega-se à
sua realidade. Essa entrega tem, porém, um único objetivo: superá-la de
qualquer forma.
A
narrativa é feita de capítulos curtos, movida pela ação constante e cheia de
reviravoltas que só dão certo graças ao cenário intenso escolhido pela autora.
Napóles e suas tensões constantemente nos lembra dos perigos que Lenu e Lila
enfrentam simplesmente por serem meninas e jovens em um mundo extremamente
violento e opressor. Se o mundo exterior é perigoso, o interior é um refúgio
duvidoso: Lenu é aterrorizada pela própria insegurança, pelo medo de falhar em
suas ambições acadêmicas, pela possibilidade de passar vergonha frente aos
outros; enquanto isso, Lila tem que lidar com uma família sem perspectivas, um
irmão e um pai explosivos e atenção indesejada de rapazes perigosos do bairro.
Apesar de parecer forte, confessa passar por episódios do que chama de “desmarginação”.
Durante esses momentos, ela passa por algo próximo de uma dissociação e a realidade
parece-lhe distante e repulsiva.
O
relacionamento de Lila e Lenu é o coração de A amiga genial. Elas tem uma a outra como medida e alimentam por
meio deste relacionamento o desejo de se desafiar e ascender. Mesmo nos
momentos de crise ou de afastamento, o retorno parece inevitável. Não é uma
amizade saudável, mas Lila e Lenu não têm modelos de relacionamentos saudáveis
para seguir, então tentam forjar um meio de fazer com que suas vidas sigam
paralelamente – é particularmente pungente a cena em que Lenu prepara Lila para
sua noite de núpcias, triste de sabê-la prestes a ser “emporcalhada”. Há um
desejo de união como a união da infância – pura, inocente – mas uma
impossibilidade de trabalhá-la de outra forma ou comunicar por palavras. Resta para as meninas apenas o gesto e a obsessão de ecoar uma à outra, que
conduzem a narrativa de Ferrante comoventemente, cativando o leitor.
Nota:❤❤❤❤
Adorei essa frase: "Se o mundo exterior é perigoso, o interior é um refúgio duvidoso". Ótimo texto, Gabs!
ResponderExcluirObrigada, Mary! :)
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