quinta-feira, 7 de julho de 2016

A amiga genial, Elena Ferrante

Título: A amiga genial
Autora: Elena Ferrante
Tradução: Maurício Santana Dias
Edição: São Paulo: Biblioteca azul, 2015.

            Primeiro livro de uma série de quatro romances, A Amiga Genial foi escrito pela italiana Elena Ferrante. Reclusa, Ferrante recusa-se a dar entrevistas que não sejam escritas e sua foto não consta na orelha do livro. Ela acredita que é benéfico um certo anonimato do autor para que a obra seja apreciada, embora essa escolha peculiar tenha, inadvertidamente ou não, chamado atenção do público.
            De qualquer forma, a escolha da autora faz sentido quando olhamos para o ponto de partida da narrativa: Lenu é informada do desaparecimento de sua amiga de infância, Lila. As circunstâncias são ainda mais curiosas: Lila deliberadamente apagou todos os traços de sua existência da casa que deixou para trás – roupas, fotos, bens em geral. Lenu intui que o objetivo da amiga é deixar essa existência para trás e por isso decide documentá-la com o máximo de detalhes possíveis por meio da escrita.
            Nossa narradora rememora a infância das duas meninas em um bairro suburbano da Napóles dos anos 50, um período marcado pelo pós-guerra. Ambas são de famílias de poucos recursos, embora a condição de Lenu seja um pouco melhor tanto financeiramente quanto à estrutura familiar – uma vantagem que não é tão nítida assim em um ambiente hostil, competitivo, marcado pelo domínio violento da mafia e por uma rígida estrutura patriarcal. As meninas crescem juntas, inseparáveis tanto nas brincadeiras quanto na escola. Lila começa a chamar atenção por sua inteligência, o que desperta o desejo de Lenu de também ser admirada, que é uma criança mais bonita e comportada do que a amiga.
            Assim, ambas começam uma silenciosa competição que compreende desde as notas escolares até ficar frente a frente com um homem temido pelas crianças do bairro. Lenu admira e inveja a espontaneidade de Lila, ao mesmo tempo que vê-se como seu oposto, sempre tendo que fazer um esforço para alcançá-la. As diferenças vão tornando-se ainda mais evidentes com a chegada da adolescência.
            Lila é impedida de seguir com os estudos e Lenu, com muito custo e graças à intervenção de sua professora, consegue seguir adiante para o ginasial.  A puberdade chega e com ela, Lenu vê sua aparência mudar rápida e intensamente – ganha peso, acne, passa a precisar de óculos. Enquanto isso, Lila deixa de ser a menina magrela e sua aura assustadora torna-se um ar misterioso, chamando atenção de todos os meninos do bairro. Lila tenta ainda acompanhar os estudos da amiga pela biblioteca, fato descoberto por Lenu acidentalmente, mas eventualmente desiste e entrega-se à sua realidade. Essa entrega tem, porém, um único objetivo: superá-la de qualquer forma.
            A narrativa é feita de capítulos curtos, movida pela ação constante e cheia de reviravoltas que só dão certo graças ao cenário intenso escolhido pela autora. Napóles e suas tensões constantemente nos lembra dos perigos que Lenu e Lila enfrentam simplesmente por serem meninas e jovens em um mundo extremamente violento e opressor. Se o mundo exterior é perigoso, o interior é um refúgio duvidoso: Lenu é aterrorizada pela própria insegurança, pelo medo de falhar em suas ambições acadêmicas, pela possibilidade de passar vergonha frente aos outros; enquanto isso, Lila tem que lidar com uma família sem perspectivas, um irmão e um pai explosivos e atenção indesejada de rapazes perigosos do bairro. Apesar de parecer forte, confessa passar por episódios do que chama de “desmarginação”. Durante esses momentos, ela passa por algo próximo de uma dissociação e a realidade parece-lhe distante e repulsiva.
            O relacionamento de Lila e Lenu é o coração de A amiga genial. Elas tem uma a outra como medida e alimentam por meio deste relacionamento o desejo de se desafiar e ascender. Mesmo nos momentos de crise ou de afastamento, o retorno parece inevitável. Não é uma amizade saudável, mas Lila e Lenu não têm modelos de relacionamentos saudáveis para seguir, então tentam forjar um meio de fazer com que suas vidas sigam paralelamente – é particularmente pungente a cena em que Lenu prepara Lila para sua noite de núpcias, triste de sabê-la prestes a ser “emporcalhada”. Há um desejo de união como a união da infância – pura, inocente – mas uma impossibilidade de trabalhá-la de outra forma ou comunicar por palavras. Resta para as meninas apenas o gesto e a obsessão de ecoar uma à outra, que conduzem a narrativa de Ferrante comoventemente, cativando o leitor.

Nota:❤❤❤❤
        

2 comentários:

  1. Adorei essa frase: "Se o mundo exterior é perigoso, o interior é um refúgio duvidoso". Ótimo texto, Gabs!

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