Autor: Benjamin Moser
Tradução: José Geraldo Couto
Editora: Cosac Naify
Edição: 2ª edição, São Paulo, 2013.
Clarice Lispector sempre foi uma figura intrigante em nossa
Literatura e coube a Benjamin Moser, crítico e tradutor norte-americano
interessado na língua portuguesa e, em especial, em nossa Literatura, tentar
traçar o mais completo perfil de uma de nossas maiores escritoras.
A linguagem
clara e a boa organização são os principais auxiliares de Moser para contar a
vida de Clarice. O livro inicia-se com uma tentativa de esclarecer as circunstâncias
do nascimento da autora - propositalmente obscuras graças aos esforços de
Clarice, que odiava ser vista como uma escritora “estrangeira”. De origem
ucraniana, a família Lispector fugiu da perseguição dos judeus e conseguiu
deixar o continente europeu, porém não incólume. Clarice, que nasceu quando boa
parte da rota de fuga de seus pais já estava para trás, não tinha recordações
desses acontecimentos que deixaram memórias marcantes em seus pais e suas
irmãs, mas ficou com muitas recordações das consequências. A pesquisa intensa
de Moser prova-se frutífera para o entendimento da obra da autora ao
relacionar, sabiamente, as cicatrizes que esse período deixou nos Lispector e
alguns motivos recorrentes na obra de Clarice. Também relaciona à infância o
gosto pela narrativa, artifício escolhido pela então menina para distrair sua
mãe da dolorosa doença que culminou em sua morte, deixando as três meninas
Lispector órfãs.
Acompanhamos
então o desenvolvimento de Clarice de uma criança inteligentíssima a uma jovem
promissora, interessada tanto em Literatura quanto em Cálculo. Os Lispector
estabelecem-se em Recife durante a infância e adolescência de Clarice, mudando
para o Rio de Janeiro quando suas irmãs estão mais velhas e já trabalhando e
Clarice prestes a entrar na Universidade. Gradua-se em Direito, mas dedica-se à profissão jornalística e ingressa no mundo da Literatura com a publicação de
seu primeiro romance, Perto do coração
Selvagem. É na Universidade que conhece o homem que viria a ser seu marido,
Maury Gurgel Valente, diplomata com quem Clarice parte do Brasil para morar por
alguns anos na Itália, Suíça e, por fim, nos Estados Unidos. Com ele tem dois
filhos, Pedro e Paulo e durante esse período trabalha intensamente, porém
encontra dificuldades para publicar seus livros. A saudade do Brasil e de suas
irmãs e a frustração com a vida essencialmente doméstica levam a uma separação
e o retorno ao Rio de Janeiro. É notável o respeito com que o autor aborda as
relações marcantes da vida de Clarice, sejam amizades ou romances.
Moser segue
sua obra organizando-a em torno dos livros escritos e publicados por Clarice,
dando ao seu leitor insight enriquecedor
sobre algumas questões que interessavam a autora. É bem observada a relação do
pensamento da autora com o do filósofo Spinoza, de quem foi leitora. Apesar
disso, pouco é dito das leituras realizadas por Clarice – ela mesma raramente
citava outros autores e essa curiosidade não é satisfeita aqui também.
São abordados alguns de seus textos
jornalísticos com a sensatez apropriada, uma vez que Clarice recusava-se a
assiná-los com seu nome verdadeiro em vida apesar de agora serem publicados em
coletâneas com seu nome postumamente.
A obsessão com o nome é, afinal, um dos grandes temas da autora. Resulta,
principalmente, da influência que o pensamento religioso judaico, em especial
seus estudos de Cabala, que se desdobra em diversos questionamentos presentes
em seus escritos. A questão religiosa é
apresentada com particular maestria por Moser, que resiste bravamente à
tentação de simplificar o complexo pensamento presente na obra de Clarice.
O retrato pintado por Moser é
fascinante e dá ao leitor uma visão rica de Clarice Lispector – jovem judia de
sotaque diferente, a impecável mulher de diplomata, a mãe e escritora e,
finalmente, uma autora reconhecida pelo seu país. Apesar disso, ainda fica a
sensação de que algo escapa... e nenhuma sensação poderia ser tão apropriada
quando o assunto é Clarice.
Nota: ♥♥♥
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